Nos últimos anos, a privatização dos serviços públicos tem sido apresentada como solução para os desafios estruturais do Brasil. Um dos setores mais impactados por essa tendência é o saneamento básico, essencial para a saúde pública e o desenvolvimento urbano. A promulgação do novo marco legal do saneamento, em 2020, impulsionou a entrada do setor privado nesse mercado.
A discussão ganhou fôlego recentemente, em específico no Estado de Rondônia, com a Lei Complementar nº 1200, aprovada em outubro de 2023. A norma permite a privatização dos serviços de água e esgoto no estado, centralizando sua gestão por meio da criação da Microrregião de Águas e Esgotos. Essa medida visa organizar a infraestrutura, mas também tem recebido duras críticas por limitar a autonomia dos municípios e abrir espaço para a formação do monopólio privado, especialmente o da AEGEA, que já domina alguns estados no Brasil.
Os defensores da privatização argumentam que a iniciativa privada traz mais eficiência e investimentos para um setor historicamente carente de recursos. No entanto, exemplos alertam que esse modelo também pode ser uma forma de afastar o poder público de suas responsabilidades. No caso de serviços essenciais como o saneamento, isso significa entregar a gestão da água e esgoto a empresas cujo principal objetivo é lucrar. Em diversos estados, a privatização tem levado ao aumento das tarifas sem que a qualidade do serviço melhore significativamente. O exemplo de Ariquemes (RO) é ilustrativo: enquanto em Cacoal (RO), que mantém a gestão pública via SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto), 16m³ de água custam R$ 35, em Ariquemes o mesmo volume custa R$ 85, acrescido de uma taxa de 60% para o tratamento de esgoto. A disparidade no preço faz a população recear ainda mais de que a privatização beneficie grandes empresas em detrimento da população.
Outro ponto controverso da Lei Complementar nº 1200 é o Artigo 8º, que reduz a autonomia dos municípios na gestão dos recursos hídricos. Prefeituras alegam que a centralização prejudica suas políticas locais e impõe um modelo de gestão que nem sempre atende às realidades específicas de cada cidade.
A já mencionada Cacoal se destaca dentro desse contexto. O município, que conta com um sistema próprio e eficiente, representa uma exceção no estado. Enquanto muitas cidades rondonienses sofrem com administração precária e infraestrutura deficitária, Cacoal consegue manter serviços públicos de qualidade, provando que a boa gestão pode ser uma alternativa viável à privatização.
O receio, portanto, é que a imposição de um modelo privado para todo o estado force municípios eficientes a aderirem a um sistema que pode resultar em tarifas mais altas e menos controle sobre o serviço. Entregar serviços básicos para o setor privado tem sido a norma entre os gestores com pouca força de vontade, adaptados à velha política. Enquanto o governo estadual defende a eficiência da concessão, Cacoal mostra que uma gestão pública bem estruturada pode oferecer serviços de qualidade sem onerar excessivamente a população. O dilema entre autonomia municipal e centralização continua a alimentar o debate, e as decisões tomadas hoje terão impacto direto na vida dos rondonienses nas próximas décadas.
Autor: João Guilherme.