O que o Comunismo fez com a Albânia

Durante o século XX, enquanto o mundo testemunhava a Guerra Fria, a Albânia seguia um caminho peculiar, tornando-se o país mais isolado da Europa. Entre as décadas de 1950 e 1970, o pequeno estado dos Bálcãs formou alianças e rompeu relações com três grandes potências comunistas — a Iugoslávia, a União Soviética e a China. Após o último rompimento, a Albânia adotou uma política radical de autossuficiência econômica, determinada a não depender de mais ninguém. Mas essa busca por independência teve um custo alto: a Albânia se tornou um dos países mais pobres do mundo. Como um país tão pequeno buscou se sustentar sozinho — mas a que preço?

A Albânia, um pequeno país no sudeste da Europa, é uma terra de contrastes. Com uma área semelhante à do estado de Alagoas, ela abriga uma população de 2,8 milhões de pessoas — praticamente o mesmo número de habitantes de Brasília. Sua capital, Tirana, é o coração do país. Mas a verdadeira riqueza da Albânia está em sua natureza. Cerca de 20% de seu território é coberto por florestas, enquanto rios serpenteiam pelo país, desaguando em lagos impressionantes. Tudo isso é emoldurado pelas cadeias montanhosas massivas, como os Alpes Albaneses, que dominam a paisagem.

Apesar de sua beleza, o terreno montanhoso, pantanoso e florestado dificultou historicamente a obtenção de terras aráveis, complicando ainda mais os esforços da Albânia em alcançar a autossuficiência econômica durante o período comunista Hoje, essas paisagens que foram um desafio para a agricultura transformaram a Albânia em um destino turístico em potencial. Mas, durante o regime comunista, elas simbolizavam isolamento e resistência.

Um breve começo

As terras que hoje conhecemos como Albânia têm uma história marcada pela influência de potências estrangeiras. Entre elas, uma das mais significativas foi a do Império Otomano. Em 1388, os otomanos invadiram a região pela primeira vez. No entanto, enfrentaram uma resistência feroz liderada por Gjergj Kastrioti, mais conhecido como Skenderbeu, tido como um heroi albanês.

Skenderbeu, com sua genialidade militar, conseguiu repelir repetidamente as forças otomanas, apesar de serem muito superiores em número. Sua resistência inspirou também outros povos europeus que viam nele um símbolo de luta contra o expansionismo otomano.

Mas a resistência não durou para sempre. Após a morte de Skenderbeu, no final dos anos 1400, os otomanos retomaram a região. A Albânia permaneceu sob domínio otomano por cerca de 400 anos. Durante esse período, a influência otomana transformou profundamente a sociedade albanesa. Grande parte da população, originalmente cristã, converteu-se ao islamismo.

Essa mudança moldou a cultura e a identidade do país, criando uma mistura única de oriente e ocidente que ainda é visível hoje. Foi esse posicionamento cultural que deu uma certa vantagem ao pequeno país em fazer e desfazer alianças, como veremos adiante. Em 1912, a Albânia conquistou sua independência, mas o novo país enfrentava desafios imensos.

Era uma sociedade feudal, com cerca de 1 milhão de habitantes, onde a economia era dominada por grandes latifundiários ausentes e a maioria da população vivia da agricultura de subsistência. Apesar de possuir recursos naturais valiosos, como petróleo, esses estavam subdesenvolvidos.

A Albânia também se tornou alvo de disputas internacionais. Em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, Reino Unido, França e Rússia assinaram um tratado secreto com a Itália, prometendo territórios albaneses em troca da entrada da Itália na guerra. Essa influência italiana persistiu por décadas, mas trouxe poucos benefícios econômicos, além da exploração de campos de petróleo, exclusivamente para exportação.

Nesse cenário instável, Ahmet Zogu, um grande proprietário de terras, emergiu como uma figura dominante. Com apoio inicial da Iugoslávia, ele se tornou primeiro-ministro, mas logo mudou sua aliança para a Itália fascista. Em 1928, proclamou-se “Rei dos Albaneses”, adotando o título de Rei Zog I.

Invasão da Itália ao território Albanês.

Embora tentasse equilibrar a influência italiana ao trazer oficiais britânicos para o país, Zog não conseguiu superar a dependência econômica da Albânia. A economia permanecia baseada na exploração limitada de petróleo, no campo de Kuçova, e em exportações de queijo, peles, ovos e gado.

Década de 30 e a Grande Depressão

A Grande Depressão piorou ainda mais o cenário. A Albânia se tornou cada vez mais dependente da Itália, que usava sua influência econômica para consolidar o controle sobre o país. Esse período de incertezas políticas e dificuldades econômicas formou a base de uma nação frágil, que seria drasticamente transformada nas décadas seguintes. No final da década de 1930, a Itália fascista, liderada por Mussolini, ambicionava expandir seu domínio nos Bálcãs.

A Albânia, já fragilizada econômica e politicamente, tornou-se um alvo fácil. O nascimento do herdeiro ao trono do Rei Zog I, em 1939, deu à Itália o pretexto final para agir. Em 7 de abril, tropas italianas invadiram a Albânia. O exército, mal equipado e desorganizado, ofereceu pouca resistência.

Com a queda rápida do governo, o Rei fugiu do país. O trono albanês foi assumido por Victor Emmanuel III, rei da Itália, e a Albânia tornou-se um fantoche italiano, sob o comando do primeiro-ministro Shefqet Vërlaci. A ocupação logo organizou uma resistência. Essa resistência se dividiu em dois grandes grupos:

De um lado, a Frente Nacional, liderada por Mid’hat Bey Frashëri. Formada por grandes proprietários de terras e intelectuais, essa frente rejeitava o comunismo e defendia a restauração da integridade territorial do país.

Do outro lado, o Partido Comunista da Albânia. Fundado em 1941 com a ajuda do Partido Comunista da Iugoslávia, seu objetivo era unificar os pequenos grupos comunistas do país e liderar uma revolução. À frente do Partido Comunista estava Enver Hoxha.

Hoxha e a Liberação

Durante sua vida, Enver Hoxha era um estudante mediano, sem grandes distinções acadêmicas. No entanto, desde cedo demonstrou talento para a política. Após se formar, Hoxha viajou para a França para continuar seus estudos. Apesar de não completar sua formação, esse período foi crucial. Foi lá que ele teve seus primeiros contatos significativos com o comunismo.

De volta à Albânia, Hoxha trabalhou como professor, mas sua visão política já havia sido moldada. Ele tinha se tornado um comunista. Em 1941, Hoxha participou da fundação do Partido Comunista da Albânia, um esforço liderado por comunistas iugoslavos para unificar os pequenos grupos locais.

No momento da fundação, os líderes comunistas albaneses rejeitaram a ideia de um único líder. Em vez disso, estabeleceram um Comitê Central para implementar um modelo de liderança coletiva. Hoxha foi selecionado como membro. Porém Hoxha rapidamente dominou o Comitê. Um a um, os outros membros foram presos ou executados. No fim das contas, apenas Hoxha permaneceu. Ele havia eliminado todos os rivais e se tornado o chefe do Partido Comunista da Albânia.

A Albânia foi o único país da Europa Central e Oriental “libertado” sem a ajuda dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Sob a liderança do Partido Comunista da Albânia, que seguia a orientação dos comunistas iugoslavos, o foco do movimento passou do marxismo-leninismo para a libertação nacional.

Foi formado o Movimento de Libertação Nacional, unindo os comunistas e outros grupos em uma frente única. Ataques de guerrilha foram lançados contra as forças italianas, enquanto represálias brutais dos invasores apenas aumentavam o apoio popular à causa.

Em agosto de 1943, os comunistas e os nacionalistas assinaram o Acordo de Mukje, tentando alinhar suas metas. Mas a unidade durou pouco. Os nacionalistas defendiam um estado albanês unificado, incluindo Kosovo, que na época fazia parte da Iugoslávia.

Os comunistas, apoiados pela Iugoslávia, rejeitaram essa ideia, priorizando sua aliança estratégica. O desacordo rapidamente escalou para conflitos entre os dois grupos.

Enquanto os nacionalistas se aliaram às forças alemãs após a rendição italiana, os comunistas intensificaram sua luta, explorando o ressentimento público contra a ocupação. Quando os alemães enviaram paraquedistas para ocupar a Albânia em setembro de 1943, a colaboração dos nacionalistas com os nazistas descreditou ainda mais sua causa perante a população.

Em novembro de 1944, após anos de luta, os comunistas marcharam para a capital Tirana, declarando vitória. O Movimento de Libertação Nacional havia triunfado, e o Partido Comunista da Albânia assumiu o controle absoluto do país. A vitória, no entanto, teve um preço alto. Mais de 28.000 albaneses, ou cerca de 2,8% da população, perderam suas vidas. Quase um terço das vilas do país foi destruído, junto com portos, minas e infraestruturas elétricas. A economia nacional estava completamente arruinada. 

Primeiro Expurgo

Logo após tomar o poder, Enver Hoxha colocou em ação seu governo provisório. Mas, em vez de priorizar a reconstrução de um país devastado pela guerra, seu primeiro foco foi eliminar opositores. Koçi Xoxe, Ministro do Interior e aliado próximo de Hoxha, liderou uma campanha brutal de repressão.

Tribunais simulados, sem direito a defesa, condenaram milhares de pessoas, incluindo elites, opositores políticos e até ex-aliados. Cerca de 2.000 foram executados, enquanto muitos outros foram enviados para 39 prisões em regiões remotas.

Nesses campos de trabalho forçado, os detentos eram submetidos a condições desumanas, alimentados apenas com restos e forçados a trabalhar em minas, frequentemente até a exaustão. O Partido Comunista também estabeleceu a Diretoria de Segurança do Estado, conhecida como Sigurimi. Essa polícia secreta, que alcançou mais de 200.000 agentes em seu auge, monitorava cada aspecto da vida dos cidadãos albaneses, acumulando milhões de arquivos.

No cenário internacional, Hoxha buscava legitimidade para seu regime. Em abril de 1945, a Iugoslávia foi a primeira a reconhecer oficialmente o governo provisório da Albânia, seguido pela União Soviética no final do mesmo ano. Em dezembro de 1945, foram realizadas “eleições livres”, nas quais os comunistas, sendo os únicos candidatos, conquistaram uma vitória esmagadora com 90% dos votos. Pouco depois, em janeiro de 1946, Enver Hoxha declarou o fim da monarquia e proclamou a Albânia uma República Popular.

Hoxha e Tito

O Partido Comunista da Iugoslávia, liderado por Josip Tito, desempenhou um papel central no fortalecimento inicial do novo governo. A Iugoslávia forneceu assistência militar e apoio econômico à Albânia, enviando grãos para aliviar a escassez de alimentos e criando empresas conjuntas para explorar os recursos naturais albaneses.

Mas o acordo tinha um preço. Enquanto a Albânia exportava seus recursos naturais, era obrigada a comprar bens industriais da Iugoslávia a preços inflacionados. Para muitos, parecia uma continuação da exploração italiana de décadas anteriores.
Tito pressionava para que a Albânia fosse integrada à Federação Iugoslava, um projeto liderado por ele como o “grande libertador dos Bálcãs”. Essa pressão criou tensões dentro do Partido Comunista da Albânia.

Em 1947, a situação ficou crítica. Tito e seus aliados começaram a atacar publicamente Enver Hoxha, acusando-o de ser um anti-marxista. Ele planejava substituir Hoxha por Koçi Xoxe, Ministro do Interior e figura pró-Iugoslávia dentro do governo albanês. 

No entanto, a dinâmica mudou drasticamente em 1948, quando Stalin interveio. Em meio a crescentes tensões com Tito, Stalin enviou cartas públicas condenando o líder iugoslavo e garantiu a Hoxha que a Albânia seria protegida de qualquer ataque iugoslavo.

Hoxha e Stalin

Com o apoio de Stalin, Hoxha iniciou mais um expurgo contra os aliados pró-Iugoslávia dentro do partido. Em novembro de 1948, Koçi Xoxe foi destituído de seus cargos, preso e, no ano seguinte, submetido a um julgamento simulado. Xoxe foi condenado à morte e executado em 1949. Seu pedido final para que sua família fosse poupada foi completamente ignorado.

Este foi só o primeiro passo. Durante o governo de Enver Hoxha, mais de 5.000 homens e 450 mulheres foram executados. Esses expurgos se tornaram uma característica constante dos 46 anos de seu regime, consolidando seu poder absoluto à custa de seu próprio povo.

Após romper relações com a Iugoslávia, a Albânia encontrou um novo aliado poderoso: a União Soviética. Enver Hoxha, buscando garantir o futuro de seu regime, alinhou o país à esfera de influência soviética e ingressou no COMECON, o Conselho para Assistência Econômica Mútua, entrando na bolha de influência que países como Cuba e Vietnã também eventualmente entrariam.

Enver Hoxha – Ditador da República Popular da Albânia.

Durante os anos de 1949 a 1951, a Albânia passou a realizar todo o seu comércio com países do COMECON, com metade desse comércio envolvendo a União Soviética. Moscou forneceu cerca de 200 milhões de dólares em alimentos, assistência militar e tecnologia. Os soviéticos investiram significativamente no país, construindo estradas, bases aéreas e uma impressionante base de submarinos na ilha de Sazan. Concluída em 1952, essa instalação no Mar Adriático foi estrategicamente posicionada, representando uma ameaça direta à Sexta Frota dos Estados Unidos. Hoje, essa base é usada como centro de treinamento pela Marinha Real Britânica e forças da OTAN, mas, durante a Guerra Fria, simbolizava a militarização da Albânia.

Enver Hoxha via na aliança com Moscou um aumento no prestígio nacional. Stalin tornou-se uma figura de admiração pessoal para Hoxha, que chegou a publicar um livro detalhando suas reuniões com o líder soviético. No livro, Hoxha afirma que Stalin foi cordial durante seus cinco encontros. Ele teria aconselhado o líder albanês a abordar questões de fé religiosa com sensibilidade, a evitar punições severas contra membros do partido e a buscar a diplomacia ao lidar com os países ocidentais. Embora não existam registros soviéticos confirmando esses encontros, o entusiasmo de Hoxha pelo modelo econômico de Stalin era evidente. Ele implementou uma economia de estilo stalinista na Albânia, centralizada, planejada e focada na autossuficiência.

Livro de memórias que Hoxha escreveu sobre Stalin.

Sob a orientação da União Soviética, a Albânia adotou a economia stalinista em sua forma mais pura. Todas as decisões econômicas eram centralizadas e implementadas por meio de rigorosos planos quinquenais, que definiam preços, níveis de produção, investimentos e até os salários. O foco principal era a coletivização da agricultura e o desenvolvimento acelerado da indústria pesada. No entanto, a limitada quantidade de terras aráveis no país era uma realidade implacável. Em 1956, cerca de 40% das terras agrícolas estavam organizadas em 696 fazendas coletivas. Apesar disso, a falta de mão de obra comprometia a produtividade.

Relatórios de oficiais do partido frequentemente mencionavam a necessidade de usar “força bruta” para garantir que os trabalhadores cumprissem suas funções. Muitos camponeses enfrentavam punições severas se não atingissem as metas estabelecidas. Em 1951, a transição para uma economia centralmente planejada foi concluída, e grandes empreendimentos industriais começaram a surgir, como o Complexo Têxtil Stalin. Roupas, casacos, bolsas e sapatos começaram a entrar nas prateleiras das lojas.

Porém, a ênfase na indústria pesada teve um custo alto. O investimento na produção de bens de consumo e alimentos foi sacrificado. O emprego era garantido, mas as pessoas não podiam escolher seus trabalhos, e quem falhasse em atingir metas podia ser enviado para os campos de trabalho forçado do regime.

A escassez de alimentos era uma realidade cotidiana. Em 1953, os albaneses consumiam menos carne do que em 1949. O racionamento de alimentos continuou até 1957.

Stalin Morre

Em 1953, a morte de Stalin abalou a geopolítica mundial. Na Albânia, Hoxha organizou um grande evento em Tirana para homenagear o líder soviético. Sob a vigilância da polícia secreta, multidões demonstraram um luto forçado, exaltando Stalin como o “pai amado” e o “grande libertador”. Mas a nova liderança soviética, sob Nikita Khrushchev, trouxe mudanças. Khrushchev rejeitou o culto de personalidade, promoveu uma liderança coletiva e iniciou uma reconciliação com Tito, líder da Iugoslávia.

Essas mudanças provocaram o descontentamento de Hoxha. Ele se opôs abertamente às políticas de Khrushchev e, em 1956, começou a se alinhar com Mao Tsé-Tung, buscando uma relação mais próxima com a China. A partir de 1957, o comércio com os chineses cresceu rapidamente, representando mais de 20% da economia albanesa e marcando o início de uma nova aliança. 

O conflito chegou ao ápice em novembro de 1960, durante um encontro em Moscou. Hoxha criticou Khrushchev abertamente, acusando-o de traição aos ideais marxistas-leninistas. Em resposta, Khrushchev chamou Hoxha de “stalinista não-reformado” e atacou seu culto de personalidade. A tensão culminou em 1961, quando a União Soviética retirou toda a sua ajuda econômica e militar, que representava 50% da economia albanesa. Hoxha respondeu lançando uma campanha de autossuficiência, desafiando os conselhos soviéticos.

Em relação ao ocorrido, o líder albanês disse, em discurso, que “O peixe morre pela boca”, referindo-se à Khrushchev, e que “O povo albanês viverá até mesmo de grama, se necessário, mas nunca se venderá por ’30 moedas de prata'”. Hoxha não exagerou. Durante os próximos anos, os albaneses realmente tiveram que, em muitas ocasiões, se alimentar de grama.

Em 1961, a Albânia foi expulsa do Pacto de Varsóvia e do COMECON. A China se tornou o único aliado significativo do país, enquanto Khrushchev minimizava a importância da Albânia, classificando-a como uma perda de pouco valor estratégico.

Hoxha e Mao

Após o rompimento com a União Soviética, a Albânia encontrou na China um novo aliado. Técnicos e conselheiros chineses foram enviados ao país, oferecendo condições favoráveis de empréstimos e promovendo um tratamento igualitário aos trabalhadores albaneses. A aliança se fortaleceu ainda mais em 1966, quando Mao Tsé-Tung declarou que a Albânia era o “único farol do verdadeiro socialismo na Europa”. Essa afirmação elevou o moral do regime de Hoxha, consolidando a colaboração entre os dois países.

Mao também se comprometeu a defender a Albânia de qualquer agressão externa, prometendo uma “derrota completa e memorável” para qualquer nação que atacasse o pequeno país balcânico. No entanto, as limitações econômicas e geográficas da China tornaram a ajuda insuficiente. A entrega de maquinário e equipamentos frequentemente atrasava, afetando a implementação do Terceiro Plano Quinquenal, entre 1961 e 1965. Esse foi um dos períodos mais desafiadores da história comunista albanesa, com escassez e dificuldades econômicas cada vez mais evidentes.

Enquanto enfrentava desafios externos, Hoxha intensificou o controle interno. O Sigurimi, como era chamada a polícia secreta estatal, ampliou sua atuação, garantindo que nenhuma dissidência escapasse do olhar do regime. O culto de personalidade de Enver Hoxha alcançou novos patamares. Cada imagem pública do líder era muito bem planejada, apresentando-o como um líder visionário em todos os aspectos. 

No final da década de 1960, a Albânia começou a sentir os primeiros sinais de afastamento da China. O movimento de aproximação chinesa com o Ocidente, liderado por Mao Tsé-Tung, foi recebido com desconfiança em Tirana. O anúncio da visita do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, à China, em 1971, foi um choque profundo para o regime. A nação, que se considerava a única aliada fiel da China, viu a aproximação com o “imperialismo americano” como uma traição ideológica.

Quando a China avisou que a continuidade da ajuda econômica não era garantida, Enver Hoxha respondeu com severidade. Ele denunciou Nixon como um “anti-comunista frenético” e declarou que qualquer diálogo com ele era uma iniciativa propensa ao revisionismo. Internamente, as tensões também se intensificaram. Em 1976, Hoxha iniciou mais um expurgo, dessa vez no exército e, novamente no Partido Comunista, eliminando qualquer um que fosse visto como pró-chinês.

Isolamento Total

Enquanto isso, a Albânia enfrentava desafios econômicos crescentes. A escassez de recursos e o isolamento começavam a pesar sobre o povo. A morte de Mao em 1976 aprofundou as tensões. Quando a China convidou o líder iugoslavo Tito para uma visita em 1977, o regime albanês considerou o gesto um insulto direto. A retórica de Hoxha contra a China intensificou-se, acusando-a de seguir o caminho do revisionismo soviético e da traição ideológica. Em julho de 1978, sob a liderança de Deng Xiaoping, a China anunciou o corte total de ajuda à Albânia, que compunha metade de toda a economia nacional.

Após as rupturas com a União Soviética e a China, a Albânia voltou-se completamente para o conceito de auto-suficiência. Sob Hoxha, a ideia de que o país era especial e cercado por potências imperialistas tornou-se a base da política nacional. Em 1976, o compromisso com o auto-sustento foi formalizado na nova Constituição. Ela proibia ajuda externa, créditos e qualquer parceria econômica com empresas estrangeiras. O isolamento era absoluto.

Hoxha intensificou seu culto à personalidade. Ele era reverenciado como “pai da nação” e frequentemente comparado a Skenderbeu, mencionado anteriormente. Ao mesmo tempo, o governo reprimiu severamente a religião, limitou viagens ao exterior e ampliou o controle sobre a população.

Para sustentar a autossuficiência, o governo focou na expansão da agricultura e na exportação de recursos naturais, como petróleo, cromita, cobre e eletricidade. No entanto, apesar das declarações de sucesso, a economia começou a dar sinais de estagnação no final da década de 1980.

Uma seca de cinco anos, entre 1983 e 1988, devastou a produção agrícola e de energia hidrelétrica, agravando ainda mais a crise econômica. A infraestrutura estava obsoleta, com maquinário soviético e chinês quebrados e falta de peças de reposição. Os engenheiros “se viravam” com o que tinham. O racionamento de alimentos era severo, e as condições de vida eram precárias. Serviços básicos eram quase inexistentes, e milhares de pessoas arriscaram suas vidas tentando escapar do país, que, naquela altura, era o terceiro mais pobre do mundo.

Após a morte de Hoxha em 1985, seu sucessor, Ramiz Alia, tentou suavizar as políticas rígidas de auto-suficiência. Ele iniciou aproximações discretas com o Ocidente, especialmente com a Espanha e Alemanha Oriental, mas as reformas foram tardias e insuficientes.

Nos anos 1990, uma série de protestos e o colapso da ordem social enfraqueceram o regime. Em 1992, o Partido Democrático venceu as eleições, encerrando mais de quatro décadas de governo comunista. Com a transição para o capitalismo, a Albânia embarcou em um novo caminho. Embora tenha superado o isolamento, a pobreza ainda é um cenário comum naquele país.

O legado do regime comunista de Hoxha permanece. A busca por autossuficiência, que prometia prosperidade e independência, levou o país a um isolamento profundo e a morte de muitos. Mas, aos poucos, a Albânia está reconstruindo sua identidade no cenário global.

Autor: João Guilherme.

Este artigo faz parte da série Fracasso Vermelho: O que o Socialismo e o Comunismo fizeram com o Mundo, especial da Nova Acção.

Referências:

ASIANOMETRY. Communist Albania Wanted To Be Self-Reliant. 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IOXEj7Oiv_o&t=248s.

FEVZIU, Blendi. Enver Hoxha: The Iron Fist of Albania. Bloomsbury Publishing, 2016.

HOXHA, Enver. With Stalin. Memoirs./Me Stalinin. Kujtime, p. 161, 1979.SCHNYTZER, Adi. The Socialist People’s Republic of Albania. In: The New Communist Third World. Routledge, 2022. p. 297-306.

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