O Integralismo brasileiro como doutrina, filosofia e movimento político nacionalista, cultural e social, nasceu oficialmente, em 7 de outubro de 1932, sob o nome da agremiação Ação Integralista Brasileira, em São Paulo. Disso, todos os estudiosos e adeptos dos ideais de Plínio Salgado, já devem saber. Devem ter em conhecimento ainda que o movimento integralista reuniu uma grande plêiade de intelectuais e homens de ação de seu tempo, isso ainda antes do ano de 1932, quando o ideário integralista estava em constante formação através dos romances de Plínio Salgado, e dos seus artigos no jornal A Razão, e com a fundação da Sociedade de Estudos Políticos, que através de profundas análises das necessidades e realidades do Brasil e do mundo, veio a surgir finalmente a Ação Integralista Brasileira. Após a fundação da AIB, muitos homens de grande proeminência na vida social, militar, intelectual e cultural da Nação, viriam juntar esforços naquele grande movimento patriótico. Um desses homens seria o historiador e escritor membro da Academia Brasileira de Letras, restaurador dos Dragões da Independência e fundador do Museu Histórico Nacional, Gustavo Adolfo Luiz Guilherme Dodt da Cunha Barroso, ou, simplesmente, Gustavo Barroso.
Os estudiosos e curiosos da vida deste grande brasileiro nascido em Fortaleza, Ceará, em 29 de dezembro de 1888, devem ter profundo ou raso conhecimento da adesão de Gustavo Barroso ao Integralismo de Plínio Salgado, logo após a sua fundação naquele outubro de 1932, dias após o término da Revolução Constitucionalista, sendo o seu primeiro contato com a doutrina do Sigma e Plínio Salgado, realizado em uma palestra do Chefe Nacional da AIB no Salão da Associação dos Empregados do Comércio, no Rio de Janeiro, no qual Plínio Salgado discursou sobre o livre arbítrio, determinismo e providencialismo sob a ótica de seu pensamento político e filosófico. Terminada a palestra, Barroso requisitou uma insígnia do movimento a Plínio Salgado, e o mesmo lhe entregou a que levava consigo perguntando quem era o requisitante. A plateia de pronto, respondeu: — “É Gustavo Barroso! Presidente da Academia Brasileira de Letras.”[1]
Gustavo Barroso viria a aderir ao Integralismo oficialmente no início de 1933, e sem demora, após aprofundado estudo e horas de conversa com Plínio Salgado, publicaria seu primeiro livro em defesa das teses da Ação Integralista Brasileira, sob o título de O Integralismo em Marcha, poucos meses após a sua entrada na agremiação. Ao todo, Gustavo Barroso publicaria 12 livros defendendo a AIB e a doutrina dos camisas verdes. Durante sua trajetória no movimento, Barroso seria um de seus principais líderes e ideólogos ao lado de Plínio Salgado e Miguel Reale. Mesmo sendo um acadêmico da área civil, Gustavo Barroso tinha um vastíssimo conhecimento de história e organização militar e por isso foi o principal articulador e, em seguida, comandante nacional das milícias integralistas, grupo político paramilitar de defesa da integridade dos militantes da organização e do próprio país. Após a Lei de Segurança Nacional de 1935, a Milícia Integralista passou por uma série de reestruturações e tornou-se a Secretaria Nacional de Educação Física, Moral e Cívica, que permaneceu sob comando de Gustavo Barroso. Em sua participação constante e assídua, realizou inúmeras expedições de propaganda do Integralismo até depois da divulgação da candidatura de Plínio Salgado à Presidência da República, em 1937. Suas excursões levavam centenas e por vezes milhares de cidadãos às ruas, entusiasmados com a campanha patriótica da doutrina do Sigma que estava sendo levada ali por um dos homens mais prestigiados do país naquela época. Seu combate ferrenho ao Comunismo, ao Liberalismo e, principalmente, ao Capitalismo selvagem internacional, a Maçonaria e ao Sionismo em seus livros, discursos e artigos, foram uma de suas marcas registradas mais autênticas de toda a sua obra integralista.
Entretanto, não seria equívoco e nem erro afirmar que Gustavo Barroso já tinha uma postura integralista diante dos problemas de sua contemporaneidade mesmo antes da fundação da Ação Integralista Brasileira. Quando Barroso assumiu a Secretaria do Interior e Justiça do Estado do Ceará, em 1914, no governo de Benjamin Liberato Barroso, seu primo, estudou de forma aprofundada os problemas gerados pelas secas, pelo coronelismo e pelo banditismo no Nordeste, especialmente, tratando o caso do Ceará, em questão. Um ano mais tarde, eleito deputado federal pelo Ceará, entre 1915 a 1917, apresentou projetos focados no acolhimento dos retirantes que fugiam da seca para as cidades, pelos direitos dos povos indígenas, pela criação dos Dragões da Independência e do Dia do Soldado.
Em sua vasta e rica obra literária regionalista, mais especificamente no livro Almas de Lama e de Aço, publicado em 1930, Barroso expressa sua preocupação e visão totalista dos problemas do sertão cearense e nordestino de seu tempo. No capítulo O Fenômeno do Banditismo, primeiro capítulo do livro citado, Gustavo Barroso aborda a problemática: “A energia bárbara do homem do sertão nordestino, precisando manifestar-se por injunção da própria força e não achando como, naquele meio atrasado e pobre, vai naturalmente perder-se no crime. Eis aí a primeira causa do banditismo que continuamente assola aquelas paragens.”
Essa tese é a mesma que Stendhal e Taine aplicaram na Itália do seu tempo, cheia, no dizer de Alfieri, que tocará no assunto em primeiro lugar, de ardentes espíritos a que somente faltavam os meios para serem heróis ao invés de bandidos.[2]
No decorrer do capítulo, Barroso, ao analizar a questão do banditismo no sertão, atribui a culpa daquela lamentável situação aos governos que tinham uma visão parcialista e nula dos assuntos que competiam as necessidades e realidades do povo sertanejo: “Nossos governos ainda não olharam como deviam para a questão do cangaceirismo. Os governichos estaduais entregues a inteligências estaduais, a homens incultos, politiqueiros, pretensiosos e vis, na maioria, não tem olhos capazes de encarar o fenômeno sob o seu verdadeiro aspecto. Alguns, fracos ou maus, ajudam-no a propagar-se, porque se apoiam nos protetores de cangaceiros, os chefes políticos do sertão.”
[…] Certas administrações fortes e bem intencionadas, mas de poucos saber, entendem que a repressão policial dá cabo dos cangaceiros e iludem-se com os bons resultados aparentes e passageiros. Castigam alguns potentados locais que os protegem. Destroem seus núcleos. Perseguem seus bandos. Metem na cova ou na cadeia seus chefes. E no sertão tranquilo, durante algum tempo, não se ouve mais falar num único bandoleiro. Parece que a raça se acabou para sempre. Nada menos verdadeiro. Esfriada aquela ação enérgica ou violenta, que dura pouco em razão da própria violência, o cangaceiro reaparece.[3]
E concluindo a tese desenvolvida no primeiro capítulo de seu livro, Gustavo Barroso afirma que não eram suficientes somente as ações policiais para o término do banho de sangue nas paragens nordestinas que se desenvolviam ali devido ao banditismo. Antes de ser um caso de polícia, era, sobretudo, um caso de ordem social, educacional, de infraestrutura e até mesmo de dignidade pessoal para os habitantes do vasto sertão cearense e nordestino: “Sendo o banditismo o resultado de uma energia bárbara e sem direção, não pode ser vencido por outra energia bárbara e também sem direção. As policiais lançadas contra os cangaceiros são geralmente piores do que eles[4] e tais violências praticam que o sertanejo pacífico contra elas se revolta e prefere acoutar os criminosos que a desafiam.”
É necessário e urgente dar trabalho organizado às populações do interior nordestino, dar-lhes onde, como e em que empregar suas energias. Para isso, sane-se o sertão, captem-se as águas fugidias e irriguem-se as terras ferazes que a seca torna inúteis. O problema é, antes de tudo, talvez, de natureza econômica. Deem-se-lhes comunicações, transportes, instrução e justiça. Somente um conjunto de medidas dessa ordem acabará de vez com os cangaceiros, produtos de uma causalidade complexa que unicamente uma série complexa de providências poderá extinguir.[5]
Admiravelmente, Gustavo Barroso abordou toda a problemática do sertão nordestino sob uma ótica verdadeiramente integralista, isso quase que 20 anos antes do surgimento do Integralismo e da Ação Integralista Brasileira. Essa “ótica integralista” não é nada menos que o estudo e a compreensão totalista dos problemas da Nação e do mundo contemporâneo. Plínio Salgado chamava tal estudo e entendimento dos problemas de correlação fenomênica, conclusão essa de que não há problemas isolados, que um problema sempre está ligado a outro, e só uma série resoluções desses problemas que podem resultar em uma eliminação total das pelejas em questão. Era exatamente assim a compreensão de Gustavo Barroso em 1914, como Secretário do Interior e Justiça do Ceará; em 1915 a 1917, como deputado federal pelo Ceará, referente aos problemas da Terra de Alencar e do nordeste em geral.
Infelizmente, os governichos ainda têm o controle do Estado; infelizmente o nosso povo sofreu e ainda sofre muito com a criminalidade, a seca e as injustiças sociais; infelizmente, os prevaricadores, incultos e oportunistas ainda estão no poder. Nada mudou muito daqueles tempos pra cá. É uma mácula que teremos na história e na vida da Nação ainda por muito tempo, e quê só uma compreensão e resolução total dos problemas assim como teve Gustavo Barroso ao tratar do nosso nordeste, é que poderá ter o fim de todos esses males que assolam a vida do nosso povo tão trabalhador e ao mesmo tempo tão bestializado pela cobrança de impostos abusivos; pela falta de Estado onde deveria e pela presença de Estado demais onde deveria haver apenas uma presença equilibrada e justa; pela criminalidade e falta de justiça; pela falta de educação e cultura de qualidade. Gustavo Barroso realmente estava muito a frente de seu tempo, e como faz falta inteligências como a sua!
Autor: Carlos Ribeiro, colunista e correspondente da Nova Acção no Ceará.
Notas:
[1] DOREA, Gumercindo Rocha (1982). Perfis Parlamentares de Plínio Salgado. Brasília: Editora da Câmara dos Deputados. pp. 721–726.
[2] Barroso, Gustavo (1930). Almas de Lama e de Aço. São Paulo: Editora Proprietária Cia. Melhoramentos de São Paulo. p. 11.
[3] Idem. pp. 13-14.
[4] Por muitas vezes as polícias estaduais e locais eram, infelizmente, corrompidas pelo dinheiro de politiqueiros e coronéis, o que gerava uma onda de injustiças e violência bárbara no sertão. É um fato amplamente registrado na história regional nordestina.
[5] Idem. pp. 14-15.