O Nacionalismo de Yukio Mishima

O Japão é uma das nações mais antigas do mundo, sendo um grande corpo natural de ordem e disciplina. Uma nação com uma história quase mística, desde o lendário imperador Jimmu até o Kamikaze, o “vento sagrado” que salvou o país das invasões de Kublai Khan e que na mitologia japonesa foi um ato do deus Raijin. Toda a criação desses mitos fundadores irá criar um forte senso patriótico na mente dos japoneses, assim como a mítica história de Rômulo, fundador de Roma, e seu irmão Remo. Gustavo Barroso diz: “Culto das tradições, culto da honra nacional, culto ao imperante, o interesse da pátria acima de tudo, o espírito de heroísmo, do dom de si levado até o extremo do harakiri, tudo isso põe o povo japonês em magnífica situação de ordem, valor e disciplina diante do caos universal.”[1] Essa seria a “Nação dos Samurais”, uma nação de bravura e espírito combativo nunca antes visto.

Kimitake Hiraoka nasce no dia 14 de janeiro de 1925, já em um Japão pós-Restauração Meiji, durante a Era Showa, do imperador Hirohito. O Japão vivia uma constante mudança econômica e social resultante da modernização do país, que viriam a influenciar o escritor. Aos 16 anos de idade, Hiraoka publica A Floresta em Pleno Esplendor, onde já adotara o pseudônimo Yukio Mishima. “Yukio” é derivado da palavra japonesa “Yuki”, que significa “neve”. “Mishima” é o nome de uma cidade próxima ao Monte Fuji.[2] Essa não seria a última vez que o Monte Fuji teria grande influência na vida de Mishima. 

Em 1936, ocorreria um dos eventos mais marcantes para o pensamento político de Mishima. No dia 26 de Fevereiro, a facção do Exército Japonês, Kōdōha (Caminho Imperial), adepta da ideia de “Restauração Shōwa” de Kita Ikki, tentam um golpe de Estado na cidade de Tóquio, onde assassinam diversos “traidores” do Império, onde também tentam o assassinato de Okada Keisuke, Primeiro-Ministro em exercício no momento da revolta. Mesmo com um contingente certamente grande (por volta de 1400 soldados), a revolta não irá frutificar. O Imperador Hirohito fica furioso com o assassinato de vários membros de seu gabinete, ordenando que os responsáveis pela revolta sejam punidos. Muitos rebeldes nacionalistas cometem o tradicional harakiri, enquanto outros se entregam.[3] Mishima, aos 11 anos de idade, já se fascina com o incidente. Seria um de seus primeiros contatos com o Nacionalismo.

Em 1945, as potências do Eixo (facção da Segunda Guerra que o Japão faz parte) já estão em completo colapso. Neste cenário apocalíptico, Mishima é convocado pelo Exército para lutar, mas é dispensado por um errôneo diagnóstico de tuberculose. Com o fim da guerra, o Japão entrará em um novo período, em que Mishima irá ser inserido: goste ou não.

O Rio do Livro

A carreira de Mishima como escritor foi de extremo sucesso. Tendo escrito diversas obras como Confissões de Uma Máscara, O Pavilhão Dourado e Sol e Aço, o autor explorava a si mesmo e a cultura do próprio Japão, o que irá fará ele desenvolver seu pensamento Nacionalista. Passando por um grande processo de amadurecimento, a filosofia de Mishima aproxima-se da de Wang Yang-Ming, que se resume em “qualquer pensamento só é válido quando passa aos atos.”[4] A influência de Mishima não advém apenas da revolta de 26 de Fevereiro, também vem da revolta dos samurais de 24 de Outubro de 1876. Ele via no Hagakure e no espírito dos samurais a “alma do Japão”, e isso seria refletido na Tatenokai, grupo Nacionalista fundado por Mishima, em que ele embarcaria no Rio da Ação. A Sociedade do Escudo se alicerçava em três pontos básicos: 1 – O Comunismo é incompatível com a alma do Japão; 2 – O Imperador é o único símbolo do Japão e tudo que constitui a nação japonesa; 3 – Ante a ameaça comunista, recorrer à violência era justificado.[5] 

Mishima via o Japão e seu imperador como “sagrados”, e cria que, para a revitalização do espírito japonês, era necessário um retorno a conjuntura de um Japão pré-guerra, que não havia se ocidentalizado por completo e que ainda preservara o espírito “samurai” da Nação. “In his view, the restoration of the emperor’s divine status and the rekindling of the bushido spirit were essential for Japan’s resurgence as a formidable nation.”[6] Esse espírito entronca-se na lealdade, como é descrita no conto Patriotismo, que narra a história de um jovem oficial do Exército e sua esposa Reiko. O cenário do curto conto é justamente a revolta de 26 de Fevereiro. “O país a quem ele devotava lealdade se espalhava ao redor dessa casa. Ele [Shinji Takeyama] ia oferecer a vida pelo país. Contudo, questionava se aquele imenso país, pelo qual ele estava disposto a corrigir seus erros a ponto de aniquiliar a própria vida, realmente conheceria seu sacrifício. Não sabia, e isso não importava. O seu era um campo de batalha sem magnificência, a trincheira do espírito, onde ninguém podia mostrar suas façanhas.”[7] Mishima não escondia suas simpatias pelos revoltosos de 36. Em sua visão, se tivessem ganhado, o Japão jamais teria entrado em conflito com o Ocidente, impedindo a humilhante ocupação e restrição aliada. “Em outras palavras foi a negação do legítimo espírito japonês que levou o Japão à catástrofe.”[8][9]

No “The Anti-Revolutionary Manifesto”, escrito em 1969, Mishima expõe porque o Marxismo é incompatível com o Japão. Citando o Manifesto de 1848, onde Marx e Engels afirmam que os comunistas pretendem alcançar seus objetivos “subvertendo todas as ordens sociais”, Mishima afirma que a cultura, história e tradições do Japão fariam parte dessas “ordens sociais” a serem subvertidas.[10] Como uma ameaça ao Japão, o comunismo deveria ser eliminado, impedindo a sua natureza “ditatorial unipartidária” de se concretizar.[11] Essa luta anticomunista faz parte da defesa da cultura japonesa.

Mishima via o Japão ameaçado pela covardia e pela fraqueza. Em seu texto “On the Defense of Culture”, diz o seguinte: “I have heard that many of the key figures of the Taiwanese government are versed in Shaolin kung fu, but the lack of physical training of Japan’s modern literati, and their tendency to take interest in the body solely through illness and medicine, has impoverished Japanese literature and limited its themes and horizons.”[12] Era o exato oposto do que concebia como o “espírito Samurai” do Japão, descrito no máximo sacrifício do seppuku nas páginas de Patriotismo, que era capaz de tornar a mais titânica determinação e coragem em mero fio de arame.[13]

Yukio Mishima cria um pensamento nacionalista forte, entroncado nas antigas tradições samurais do Japão. Mesmo que nunca tenha se afirmado como um adepto, Mishima parecia muito ser admirador da ideia de “Restauração Shōwa”, principalmente pela sua extensa admiração pelos revoltosos de 1936, que fariam ele escrever, futuramente, o conto que resumiria tanto seus aspectos positivos quanto negativos. Mesmo com um robusto pensamento doutrinário, retorna-se à filosofia prática de Wang Yang-Ming. Com isso, Mishima funda a “Sociedade do Escudo” (Tatenokai), com o objetivo de defender as tradições do Japão, o Imperador e fazer frente ao comunismo. Nas palavras do fundador: “Até o último e pior momento, recusamo-nos a nos comprometer com atos, pois somos o menor exército do mundo e o maior pelo espírito.”[14]

O Rio da Ação

Como fruto dos seus estudos sobre o espírito Samurai japonês, Mishima engendra por um caminho de ação. Sua militância política seria fundamentada nesta filosofia. Este pensamento influenciara Mishima na escrita de seu manifesto, que é uma verdadeira declaração de guerra. Também é possível encontrar tal espírito combativo em “On The Defense of Culture”, onde deixa explícita a sua filosofia: “Now, because defense is action, one must possess a certain physical ability by training.”[15] Muitos movimentos, sejam de pensamento ou de ação, virão a ser influenciados pela tal visão de mundo exposta por Yukio Mishima, tanto no Japão quanto no mundo. De acordo com Christopher Harding, “Evola saw in Mishima’s final act a courageous call for his country to awaken from the prosperous slumber into which it had been cast by the United States, first as post-war occupier and then as partner in an uneven alliance.”[16]

Não é incorreto afirmar que Yukio Mishima era um Nacionalista Revolucionário. Porém, diferente de certos pensadores europeus que estavam mais voltados à soluções técnicas aos problemas vigentes da época. Oswald Mosley, por exemplo, dedicava-se muito mais à estrutura corporativa de seu Estado Fascista britânico do que com as próprias projeções morais e filosóficas de seu movimento. A União Britânica era, portanto, um movimento excessivamente econômico e materialista. Já o pensamento de Mishima está envolto de uma filosofia poética e romântica da política. Kazuyoshi Kasawaka disserta: “Unlike the prevailing political narratives of post-war Japan, which largely embraced pacifism and democratic principles under the influence of the American occupation, Mishima’s ideology harked back to a romanticized pre-war era.”[17]

O ensaio “Sol e Aço” é o grande resumo do que viria a ser a Tatenokai. Nada mais é do que uma grande carta de culto ao corpo, algo que Mishima viria a se dedicar em seus últimos anos de vida. Queria colocar seu patriotismo em prática de modo romântico. No mesmo livro citado, é dito o seguinte: 

“Um dia, me ocorreu cultivar meu pomar devotamente. Para isso, usei sol e aço. Luz do sol sem cessar e objetos feitos de aço se tornaram os elementos fundamentais da minha atividade agrícola. Pouco a pouco, o pomar começou a dar frutos e o corpo veio a ocupar boa parte do meu pensamento.”[18]

Tudo isso iria culminar na tentativa de golpe de 25 de novembro de 1975. Muito se é especulado acerca do que Mishima pensara ao fazer tão arriscada aposta. Apenas quatro membros da Tatenokai, um desses sendo Morita, um dos mais leais de seus seguidores, foram levados à investida. Muitos biógrafos de Mishima creem que a tentativa de tomada ao poder foi um ato teatral, poético e dramático, inspirado em sua própria obra, Patriotismo. “Ele se suicidou para completar a sua obra literária”.[19] 

O que se sabe sobre o extravagante ato é que Yukio Mishima tinha a intenção de proferir um discurso que revigoraria os ânimos dos militares japoneses das Forças de Autodefesa. As SDF já tinham certo envolvimento com a Tatenokai nacionalista, permitindo que seus membros treinassem junto aos militares. No discurso que foi planejado para ser dado no dia do golpe, Mishima diz o seguinte: 

“We were sad, angry, and finally enraged. Gentlemen, can you do nothing without being given an order? But, sadly, the orders given to you will ultimately not come from Japan. It is said that civilian control is the basic principle of a democratic military. However, in England and America civilian control means financial control over military administration. Unlike Japan, it does not mean that the military is castrated without even the right to make personnel decisions, manipulated by treacherous politicians, or used as a pawn in partisan politics.”[20]

O manifesto nunca seria lido por completo e Mishima não seria bem recebido pelos militares. Durante a sua tentativa de discurso, seria vaiado e insultado diversas vezes. A tentativa de ressuscitar o “Exército Samurai” falhara. Com isso, o chefe dos Tatenokai, grande admirador dos ritos samurai, decide cometer o seppuku. Auxiliado por Morita, Mishima realiza o maior ato de honra no imaginário samurai clássico e nacionalista japonês. Sua atuação curta política terminara de jeito trágico, porém ressoaria no mundo inteiro. De acordo com Victor Kinjo, certo político nacionalista japonês diria após sua morte: “Morreu para defender o Japão”.[21]

Conclusão e críticas que se podem fazer

Yukio Mishima com certeza é uma das figuras mais intrigantes não apenas da história oriental, mas do próprio mundo em si. Seu Nacionalismo, apesar de sincero, estava imbuído em erros e romantismos acerca da era feudal japonesa. Uma das principais críticas que se podem fazer é a romantização — embasada no bushido — do suicídio. Na civilização ocidental cristã, o suicídio não é algo nobre nem deve ser encorajado. E, nestas linhas, o pensamento nacionalista de Mishima entra em conflito com o Nacionalismo saudável. Também nunca teria feito um projeto político sólido para o Japão, estando muito preso numa filosofia de ação. É um verdadeiro mistério como seria o futuro da nação nipônica caso Mishima tivesse sido bem sucedido em sua tentativa de golpe (algo altamente improvável).

Moralmente, Mishima também se envolvia em atos lamentáveis de perversão. Como um caso blasfemo descrito em “Confissões de uma Máscara”, além de ter feito várias aventuras sexuais, inclusive algumas no Rio de Janeiro. Isso também está presente na sua obra comentando o Hagakure, deixa bastante explícito os seus vícios: 

“[…] mesmo quando estivermos apaixonados por um homem, devemos concentrar nossas energias no Caminho do Guerreiro. E o amor homossexual combina muito bem com esse caminho.”[22]

Apesar de estar repleto de vícios, o pensamento de Mishima também tem suas justificativas. Foi um dos pioneiros do Nacionalismo em um país que encontrava-se já muito globalizado e americanizado e sua defesa da cultura é algo que deve ser recordado. Porém, o culto e idealização ao imperador também é algo temerário. Por idealizar o passado do Japão feudal, Mishima era um clássico xintoísta. No shinto, a figura do imperador não é apenas um mero soberano real, mas sim, uma divindade. Este pensamento já tinha entrado em declínio desde o fim da guerra, com as reformas seculares de Hirohito, mas Mishima ainda insistia em manter tal culto.

O legado de Yukio Mishima deve ser estudado e analisado, mas deve-se sempre ficar atento aos erros de um nacionalismo romântico, baseado excessivamente no passado. Muitas tradições não necessariamente são boas e devem ser mantidas. A própria tradição do harakiri, mesmo tendo profundo significado, tão cultuada por Mishima, é um vício. Por uma ótica puramente Cristã, não é algo que deve ser admirado muito menos encorajado. A memória do grande escritor deve ser mantida e apreciada, pois, mesmo com seus erros e vícios, é impossível negar o gigantesco talento que está presente em suas obras. Foi uma figura que, mesmo errática, abriu as portas para a possibilidade de, talvez em algum futuro próximo, surgir um Nacionalismo verdadeiramente bom e saudável. Este é o possível legado do último samurai.

Autor: J.M.

Notas:

[1] BARROSO, Gustavo, O Integralismo e o Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, S.A., 1936. pp. 164-165.

[2] KINJO, Victor, Quem são Mishimas?. Belo Horizonte: Autêntica, 2020., p. 29.

[3] GONÇALVES, Edelson Geraldo, Um fantasma do passado: a militância política de Mishima Yukio no Japão pós-guerra. Vitória: Revista Ágora, n.13, 2011. p. 4.

[4] YOURCENAR, Marguerite, Mishima ou a visão do vazio. Trad. Tati Moraes. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987. p. 75.

[5] CARIMO MOHOMED. La pureza del samurái: historia y política en el pensamiento de Yukio Mishima. História (São Paulo), v. 31, n. 1, p. 121–144, 2024. p. 7.

[6] KAWASAKA, Kazuyoshi. Eros and Emperor: Mishima Yukio’s Homoerotic Nationalism. Politics and Rights Review, 2024. Disponível em: https://politicsrights.com/mishima-yukios-homoerotic-nationalism/. Acesso em: 10 ago. 2024.

[7] MISHIMA, Yukio, Patriotismo. Trad. Jeferson José Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 29.

[8] CARIMO MOHOMED. La pureza del samurái: historia y política en el pensamiento de Yukio Mishima. História (São Paulo), v. 31, n. 1, p. 121–144, 2024. p. 9.

[9] GONÇALVES, Edelson Geraldo, Um fantasma do passado: a militância política de Mishima Yukio no Japão pós-guerra. Vitória: Revista Ágora, n.13, 2011. p. 9.

[10] MISHIMA, Yukio. The Anti-Revolutionary Manifesto. Counter-Currents, 2020. Disponível em: https://counter-currents.com/2020/03/the-anti-revolutionary-manifesto/. Acesso em: 10 ago. 2024.

[11] Idem.

[12] MISHIMA, Yukio. On The Defense Of Culture. The Asylum, 2022. Disponível em: https://asylummagazine.ca/ON-THE-DEFENSE-OF-CULTURE. Acesso em: 10 ago. 2024.

[13] MISHIMA, Yukio, Patriotismo. Trad. Jeferson José Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 48.

[14] YOURCENAR, Marguerite, Mishima ou a visão do vazio. Trad. Tati Moraes. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987. p. 85.
[15] MISHIMA, Yukio. On The Defense Of Culture. The Asylum, 2022. Disponível em: https://asylummagazine.ca/ON-THE-DEFENSE-OF-CULTURE. Acesso em: 10 ago. 2024.

[16] HARDING, Christopher. The Light – and Shade – of Asia. IlluminAsia, 2024. Disponível em: https://www.illuminasia.org/p/the-light-and-shade-of-asia. Acesso em: 10 ago. 2024.

[17] KAWASAKA, Kazuyoshi. Eros and Emperor: Mishima Yukio’s Homoerotic Nationalism. Politics and Rights Review, 2024. Disponível em: https://politicsrights.com/mishima-yukios-homoerotic-nationalism/. Acesso em: 10 ago. 2024.

[18] MISHIMA, Yukio, Sol e Aço. Trad. Paulo Leminski. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. p. 8.

[19] KINJO, Victor, Quem são Mishimas?. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 53.

[20] MISHIMA, Yukio. Manifesto. Japan Empire Sources, 2021. Disponível em: https://www.japaneseempire.info/post/mishima-yukio-s-manifesto. Acesso em: 10 ago. 2024.

[21] KINJO, Victor, Quem são Mishimas?. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 53.

[22] Ibid. p. 57.

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