O falso e o verdadeiro nacionalismo

O vocábulo nacionalismo procede de Nação. Eis porque não podemos defini-lo sem vinculá-lo à própria definição do termo de que se origina. Cumpre-nos, pois, antes de dizer o que seja Nacionalismo deixar bem claro o que entendemos pela Nação.

Sob dois aspectos entendo deva ela ser considerada: o que denominarei fisiológico e o outro, que chamarei psicológico.

Psicologicamente, a Nação é constituída pelos grupos naturais e pelos municípios, órgãos cujos tecidos se entretecem de cédulas vivas, que aloca as pessoas humanas. O Homem pode assegurar seus legítimos direitos tornando assim possível o cumprimento dos seus deveres, cria os grupos naturais, nos quais se une aos seus semelhantes. O primeiro desses grupos é a Família, o mais importante pela sua destinação biológica da manutenção do gênero humano na superfície da Terra e pela sua significação moral como anteparo de liberdades e direitos contra o arbítrio ou violência de outrem. Encontramos sua origem nos totens, ou deuses familiares, que procederam os tabus, ou divindades eleitas para presidir os clãs na defesa contra inimigos, organizam as tribos. As divindades nacionais procedem da liderança natural que o tabu mais prestigioso exerce sobre o conjunto das tribos que formaram a Nação. Foi assim que se impuseram para tomarmos um exemplo, os deuses Hórus, Osíris, Seth ou Anúbis do Egito antigo. Do estudo da formação das sociedades primitivas, ressalta à evidência ter sido a Família o primeiro grupo natural. Ela participa da autonomia da autodeterminação, como se diz hoje, do Ser Humano que a criou.

Mas o Homem, essa dualidade consubstancial exprimindo-se numa unidade substancial, segundo a definição de Boécio, tem necessidades materiais exigidas pela sua manutenção e pela sua Família, assim como espirituais, inerentes à sua nacionalidade. Para provê-las recorre ao trabalho. E o trabalho não somente constitui um instrumento de aquisição de utilidades porém ainda uma atividade criadora pela qual o Homem participa da obra da Criação, que outra coisa não é, desde quando a energia se concentrou nos átomos e estes se exprimiram na linguagem multiforme da matéria, senão a vontade de dizeres: motivo pelo qual o Evangelho de São João antecipa a Ciência Moderna afirmando “no princípio era o Verbo”. O trabalho humano por conseguinte não é como pretendem os marxistas, um complemento da matéria-prima na formação das mercadorias, mas uma continuidade de atos procedentes das faculdades imaginativas e optativas do Ente Racional. Para garantir o seu livre exercício e as suas justas compensações como contribuição ao bem-estar geral os trabalhadores se unem em associações profissionais. De início simples ajuda mútua e aperfeiçoamento técnico, se considerarmos para exemplificar as corporações medievais dos mestres de ofício, a associação profissional teve de ampliar-se em consequência do progresso técnico e desenvolvimento em larga escala da produção, a partir da revolução industrial da Europa, que mobilizou, para a exploração carbonífera e siderurgia, a fabricação manufatureira, o desenvolvimento das vias-férreas e da navegação marítima, copiosas multidões de assalariados. Surgiram as Trade Unions na Inglaterra e o sindicalismo do nosso tempo. Tratam-se de grupos naturais, se tomarmos estes como reuniões de homens livres, segundo sua categoria, objetivando os mesmos fins. Participam, logicamente da intangibilidade da pessoa humana.

Seríamos injustos se não incluíssemos, nesse tipo de associações, as classes dirigentes que os marxistas denominaram “detentores dos meios de produção”. Nessas associações muitas vezes se conjugam interesses de empregadores e empregados como se observa todos os dias, em relação a Federações Industriais, Sociedades Rurais, Associações Comerciais, do mesmo modo devendo ser consideradas as entidades associativas das classes liberais e as de finalidade científica, artísticas, literárias ou religiosas.

Tais grupos, que naturalmente se formam, constituem, fisiologicamente os órgãos do corpo nacional. Eles se localizam nos Municípios que participam da autonomia das partes que os compõem.

Ora, sendo a Nação um conjunto de pessoas autônomas, famílias e categorias de trabalho autônomas e Municípios autônomos, ela própria não pode deixar de ser autônoma, autodeterminativa, numa palavra: soberana. A soberania nacional não deriva da famosa “vontade geral” de Rousseau, pois não se pode pôr votos o que é condição da natureza. A Nação é soberana por ser Nação.

Sob o aspecto psicológico, a Nação é uma consciência de diferenciação dos demais grupos nacionais. Não a podemos confundir com os termos País e Pátria. Chamemos País e Terra, as características da natureza, as riquezas da flora, da fauna, do subsolo, numa palavra, o Brasil como o encontrou Pedro Alvares Cabral. Nem para os índios, nômades dispersos, chegava a ser uma Pátria. Quando num País se processa a obra de colonização sistemática à maneira do que se deu com as Capitanias e os Governos Gerais, as populações que se vão fixando estabelecem o que poderemos denominar “o comércio sentimental entre o Homem e a Terra”. Os sucessos e as emoções de cada dia se ligam à paisagem ambiente. Por associação de ideias, aquela montanha, aquele rio, aquela praia se integram na rememoração dos instantes emocionais. Há como uma transposição de “mundo interior” para as paisagens e uma reversão do “Mundo exterior” para a interioridade sentimental do Homem. Por analogia, estende-se essa espécie de amor a outras regiões onde há grupos humanos com os mesmos costumes, a mesma religião, a mesma língua, as mesmas condições mesológicas de vida. Surgiu, nesse instante a Pátria. Mas a Pátria ainda não é Nação, pois se Pátria é “sentimento”, Nação é “consciência”.

No Brasil, a Pátria se fez Nação nos meados do século XVIII. O que vinha sendo intuição do nosso povo adquiriu consciência nas elites e explicitou-se através de Alexandre de Gusmão no Tratado de Madrid, de 13 de janeiro de 1750. Redator do famoso documento que veio consolidar juridicamente a posse do nosso território, Gusmão inseriu num dos artigos a disposição que declarava: em caso de guerra entre Espanha e Portugal, as suas colônias na América não ficam obrigadas a estabelecerem conflito entre si. Era a consciência de diferenciação que o diplomata de Santos tornava consagrada pelos compreensivos Monarcas das Espanhas. Essa diferenciação entre o Brasil e a Metrópole se positiva quando D. João VI elevou a nação brasileira à categoria de Reino, por decreto de 16 de dezembro de 1815.

Feitas estas considerações, entremos agora na análise da palavra “nacionalismo”, hoje tão em voga e a encobrir objetivos antinacionais. Conceituado a Nação fisiológica e psicologicamente, diremos que nacionalismo é o esforço permanente de um povo para manter as estruturas de que decorrem a ideia e a existência da Nação, ao mesmo tempo sustentando e fortalecendo a consciência de diferenciação dos demais grupos nacionais.

Qualquer movimento rotulado de nacionalismo, que atente contra os legítimos direitos dos elementos constitutivos da nacionalidade, é um movimento antinacional.

Movimento dessa provém da confusão que fazem seus promotores entre Nação e Estado. Eles se filiam à Escola Histórica Alemã, principalmente a Bluntschili, que identificava o Estado com a Nação. Inspiraram-se no socialismo marxista e no totalitarismo nacional-socialista.

Ora, o Estado é apenas o instrumento jurídico da Nação, por ela criado para manter a ordem interna e as relações externas. A Nação pode modificá-lo, mas ele não pode modificar a Nação, as suas estruturas, a sua tradicionalidade, pois das primeiras decorre o ritmo vital da Nação e da segunda as características do que poderemos chamar a sua personalidade coletiva.
Se é certo que o Estado não deve omitir-se, dentro da concepção liberal, em face da burla contra as leis naturais da Economia, que hoje se efetiva, não só pela ação de trusts, monopólios e outras manobras de indivíduos, como também (e isto é fenômeno novo) pela ação das ditaduras sindicais exercidas sobre o proletariado e sobre os sagrados interesses do bem comum, também é certo que o Estado, uma vez recomposto o equilíbrio regulando as situações anormais, deve recolher-se, restrito a suas altas funções que são, entre outras, a de assegurar a ordem interna, compreendendo-se como “ordem” o desenvolvimento normal, sem constrangimento dos órgãos vitais da nacionalidade.

A incultura de homens públicos em altos postos representativos ou administrativos do Brasil tem-se alimentado com a forragem vermelha da demagogia esquerdista, que prega a torto e a direito, a estatização gradativa de tudo, atentando contra a livre empresa; contra os direitos da família em matéria de ensino; oprimindo os capitais fecundadores; desanimando a iniciativa privada; desvirtuando o sindicalismo; praticando uma política salarial que, longe de ser efeito, é causa da inflação; fazendo vista grossa sobre as tradições nacionais; ferindo, a cada passo, os próprios direitos individuais.

É preciso dizer que esse nacionalismo é antinacionalista, porque tenta destruir os órgãos e as células vivas da Nação. Sem esses órgãos atuantes e essas células vivas, a Nação morre. O que se pretende, portanto, é a morte da Nação.

Em contrapartida, cumpre-nos lançar corajosamente o nacionalismo equilibrado, sensato, clarividente, realista. Um nacionalismo que, preservando o povo brasileiro contra seus espoliadores externos e internos, promova o nosso desenvolvimento, sem ir aos extremos antinacionais que, em vez de pretender criar riquezas, desfralda a bandeira da socialização da miséria, da opressão contra os que querem produzir e da redução das liberdades humanas ao arbítrio do Estado onipotente.

Autor: Plínio Salgado. Retirado de “Diários Associados”, 03 de Janeiro de 1963.

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