A crise atual, não limitada a um só país, a um certo partido político ou princípio econômico, a esta ou àquela forma de Governo, processa-se com uma mudança completa do espírito dominante. A época presente significa o abandono do Individualismo e a procura de uma nova forma de vida, um novo caminho para se realizar a felicidade social. A crise moderna pode ser comparada, apesar de labutar em sentido oposto, à Renascença e ao Humanismo. Também, então, trilhava-se um novo modo de pensar, abandonava-se a Idade Média cristã, o Universalismo católico, a filosofia e o conceito de vida escolástico, o sistema social, o corporativismo para aproximar-se e sublimar-se no Individualismo, aborto da cultura classicista pagã. A crise dos nossos dias pode ser considerada como uma verdadeira contra-Renascença que remodela o espírito da Humanidade. E este se afasta do Individualismo e tende para o Universalismo.
Ora, negando-se o Individualismo, deve-se consequentemente e logicamente negar também as instituições por ele criadas. Pode ser constituída, por isso, a nova ordem da sociedade somente na base corporativa. A ideia do Estado corporativo, que não será mais a representação política, mas a econômica e profissional do povo, ganhou no último decênio, em todo o mundo e portanto também no Brasil, sempre mais terreno. A causa dessa expansão ideológica é devida, em grande parte, aos efeitos catastróficos que provocou, no presente século, o sistema capitalista com o abalo da economia mundial. A Encíclica pontifícia “quadragesimo anno” de 1931 deu um forte impulso a essa ideologia corporativa e foi assim que vários Estados europeus e, em primeiro lugar Portugal e a Áustria, passaram a adotar para as suas Câmaras municipais, províncias e federais, um tal sistema de representação econômico-profissional, moldando nestas formas as mais recentes Constituições. Também o movimento católico social de vários países sul-americanos está trabalhando no sentido de reorganizar a sociedade nos moldes da ordem corporativa. Por isso, pareceu oportuna uma reunião dos representantes das ideias católicas sociais das diferentes nações para trocar os pensamentos, as experiências, iniciativas e auxílios. Realizou-se essa conferência internacional em 29/30 de maio de 1935 em Viena, à qual seguiu um congresso nacional austríaco que estudou as questões inerentes à organização corporativa da Áustria.
No Brasil, o Estado Corporativo, além de ser um postulado do catolicismo social brasileiro, é também propugnado pela Ação Integralista ganhando assim a ideia do Estado Corporativo numerosos adeptos na nossa Pátria.
Quanto à realização prática do sistema corporativo foram, para este fim, elaborados já vários projetos que preveem o desenvolvimento desta nova organização profissional da estrutura presente da economia capitalista.
Segundo o meu modesto modo de ver, não é absolutamente possível fundar o Estado corporativo na base capitalista. Vejamos: no grupo “indústria”, por exemplo, reúnem tais projetos as mais variadas empresas e profissões, como fábricas de automóveis, engenhos de açúcar, fábricas de calçados, de maquinismos e salinas, moinhos, fábricas de papel, de cimento, moinhos de adubos, de pianos, etc., que não estão entre si em nenhuma relação, e não quer se que sejam todas empresas capitalistas.
Como há de funcionar um tal sistema econômico corporativo? Um exemplo basta para demonstrar as falhas dum tal conceito. A promoção da chapa única nos grupos “indústrias” com as fábricas, no “comércio” com as casas comerciais e no grupo “ofícios” com os ofícios.
A profissão dos chapeleiros divide-se, então, em 3 grupos: assim, porém, perde-se a ideia da autonomia, do interesse, já que misturam também certos indícios e forças agentes do estado profissional, incluindo também a possibilidade de auto-organização. Continuando desta arte: a união de profissões de indústrias grandes, pequenas e comerciais que lutam continuamente entre si, impede a sua própria capacidade interna, impossibilitando a formação do estado profissional dos chapeleiros. E o mesmo vale também para a grande maioria das outras profissões.
A realização do Estado corporativo é somente possível nos moldes da “Quadragesimo anno” que reclama a restituição da antiga ordem social, baseada na divisão profissional da sociedade humana, devendo aparecer a sua estrutura cristã.
Em oposição ao princípio do sistema capitalista, cuja aspiração de expansão não colocou o homem no centro da economia, mas sim o ganho e o interesse, somente que a produção de quantidade corresponde ao bem, ignorando o bem comum, deve dar a reorganização corporativa uma máxima consideração ao homem, à natureza natural e primeira da atividade humana, à família. Esta deve ser colocada no centro da atividade humana com as necessidades materialmente vitais e fins morais, por isso também da economia.
As necessidades da sociedade humana podem ser divididas em três categorias: necessidades religiosas, intelectuais, culturais; necessidades para a manutenção e defesa da saúde, necessidades de cultura física e de sports; a necessidade de defesa jurídica, de segurança da vida e da propriedade; finalmente as necessidades de alimentação, habitação, vestimenta, lazer, transporte, trabalho, divertimento.
Na sociedade humana correspondem a estas necessidades as respectivas profissões que devem com o seu trabalho, com a sua prestação de serviço satisfazer à procura, às necessidades sociais.
Estas profissões devem ser reunidas territorialmente em corporações profissionais, as quais, em conformidade com as categorias de necessidades, não hão de ser englobadas em grupos maiores segundo o seu parentesco intrínseco. Estes grupos maiores que abrangem todos aqueles estados profissionais que correspondem a um dado grupo de necessidades e que formam a base, a pressuposição e a moldura para a organização do organismo social deve esta (organização) ser feita por uma divisão vertical, territorialmente graduada na estrutura dos estados profissionais.
Este é o princípio construtivo e normativo para a reorganização que concretiza a “Quadragesimo anno” e assim são marcadas as bases para o grande plano de reconstrução nacional.
A organização vertical, territorialmente dividida, de todos os Estados profissionais, deve começar, por regra, com o município, como célula menor que é, continuando por meio de delegações eleitas nas formas organizatórias superiores (distritos, províncias, federais), tendo o seu ápice nas corporações nacionais.
Com esta divisão vertical, que corresponde à verdadeira natureza da sociedade, colocando entre o indivíduo e o Estado um encadeamento orgânico, elimina-se a presente “estratificação” da sociedade em classes de capitalistas e de assalariados e combate com partidos inimigos no mercado do trabalho. Também a atomização da sociedade moderna e a dissolução da independência e nexo de todos os processos vitais desaparecerá assim.
Nas corporações será resolvido o problema principal da futura ordem social, que consiste na união entre patrões e operários, e que os alicerces qualificam nesta sociedade congêneres num terceiro superior e social-politicamente unido.
Os membros dos estados profissionais devem-se resguardar os seus direitos comuns, ter a autonomia e a responsabilidade, que passarão a exercer juntamente com a unidade orgânica do Estado.
A economia dirigida que visa o sistema econômico da nova ordem profissional, finaliza com a organização corporativa do Estado moderno como foi traçada na dita Encíclica.
Nestes moldes será instituído no Brasil o Estado Integral Corporativo.
Autor: José Zamarim da Testa. Retirado de “A Ordem”, 1936, nº 73. Centro Dom Vital.