A Diplomacia Paralela de Sant’Egidio: O Desafio do Papa Leão XIV

Que o cardeal Pietro Parolin continuará exercendo seu trabalho como secretário de estado da Santa Sé, isso é quase certeza nos círculos vaticanos, mas o Papa Leão XIV precisará lidar com um problema que envolve a política externa da Igreja: a poderosa Comunidade de Sant’Egidio. 

A Comunidade de Sant’Egidio é hoje uma das organizações mais influentes dentro da Igreja Católica, destacando-se entre muitas coisas por sua atuação nos bastidores da diplomacia vaticana. Diferentemente de movimentos católicos como Opus Dei, Legionários de Cristo e outros que enfrentaram restrições sob o pontificado do Papa Francisco, Sant’Egidio ganhou cada vez mais espaços e hoje ocupa posições estratégicas dentro da estrutura da Igreja.

Entre os seus membros mais influentes, estão o cardeal Matteo Zuppi, presidente da Conferência Episcopal Italiana e arcebispo de Bologna. Membro histórico da Comunidade, Zuppi foi nomeado pessoalmente pelo Papa Francisco para liderar uma missão de paz na guerra entre Rússia e Ucrânia, com visitas diplomáticas a Kiev, Moscou, Washington e Pequim. Ainda que a missão tenha sido oficialmente aprovada, foi conduzida fora do alcance da Secretaria de Estado.

Esse estilo de diplomacia paralela tem sido a grande marca de atuação de Sant’Egidio e é vista com desconfiança por muitos na Cúria, sendo considerada uma interferência crescente. O incômodo foi agravado por uma característica marcante do antigo pontificado: o estilo personalista do Papa Francisco. Isolado dos cardeais na Casa Santa Marta, o Papa frequentemente deixava de lado as secretarias e dicastérios oficiais, tomando decisões por vontade própria, favorecendo estruturas mais alinhadas com sua visão.

Outro exemplo, mas dessa vez não tão claro, podemos observar no acordo Vaticano-China, assinado em 2018 e renovado ano passado. Por mais que tenha sido conduzido formalmente pela Secretaria de Estado, a origem e a insistência do acordo vieram diretamente do Papa Francisco. Dentro do Vaticano, alguns dizem que a Secretaria de Estado atuou nesse caso como mera executora da vontade do Papa, mesmo diante de reservas internas sobre a confiabilidade do regime chinês. Isso explicaria o porquê de o governo chinês ter preparado o terreno nas semanas anteriores ao conclave para barrar a eleição de Parolin.

A lógica por trás desse acordo está alinhada com a visão da Comunidade de Sant’Egidio, cujo histórico inclui diálogos com ditaduras. Nomes como o do arcebispo Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, Andrea Riccardi e Adriano Roccucci, respectivamente presidente e secretário-geral da Comunidade, ganharam grande influência nos últimos anos. Ainda que não tenham cargos centrais na diplomacia oficial, tinham forte influência nos bastidores, com o aval implícito (e às vezes explícito) de Francisco.

Esse crescimento da diplomacia paralela evidencia uma profunda crise da política externa da Igreja. Embora a Secretaria de Estado ainda seja o canal oficial, o Papa frequentemente a contornava, escolhendo pessoalmente organismos de sua confiança. No fundo, trata-se de um embate sobre o futuro da diplomacia vaticana: diplomática, prudente e hierarquizada ou improvisadora e informal.

No século XIX, o papa Leão XIII, ao lado de seu secretário de estado, cardeal Mariano Rampolla, teve a responsabilidade diplomática crucial ao reintegrar a Igreja ao cenário internacional após o isolamento causado pela perda dos Estados Pontifícios. Leão XIV terá a responsabilidade de levar a diplomacia vaticana aos trilhos nesse momento de grandes incertezas no cenário internacional.

Autor: Marcos de Lima.

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