Teoria e Prática do Corporativismo

Mais um espelho do primarismo cultural no Brasil é a ignorância sobre os problemas corporativos. A Constituição outorgada em 10 de novembro estabelece uma organização corporativa, enquanto não só as grandes massas, mas os letrados, os doutores, os “juristas” perguntam entre si o que é o corporativismo, se têm coragem de confessar a sua ignorância. Havia no Brasil um número diminuto de conhecedores ou iniciados no assunto, e mesmo uma opinião corporativista quase reduzida a uma parcela da Nação que se pôs à margem, quando não em choque com a tarefa de realizar os princípios de 10 de novembro. Como se realizará o corporativismo sem a compreensão das massas e a consciência das elites para os seus problemas? O Sr. Tristão de Ataíde notou uma vez que é antigo entre nós este vício: pretender construir as coisas, começando pela cumeeira…

O espírito moderno, quando desce da metafísica das origens e dos fins últimos e passa da pesquisa das coisas da crise às preocupações reorganizadoras, tem diante de si seguramente uma estrada tronco a percorrer, que não é mais um caminho singular mas se espalha em vários caminhos: o corporativismo.

Os últimos abencerragens do individualismo encontram identidade entre o corporativismo e o sindicalismo revolucionário, identidade que de fato existe num sentido classista preliminar. Mas o corporativismo, que era primitivamente apenas um sindicalismo hierarquizado (Idade Média), sindicalismo solidarista, ganhou na sua renascença dos nossos dias um escopo de orquestração dos contingentes sindicais, e a dignidade de uma expressão fiel da Nação, que está no trabalho organizado, compreendendo com este as atividades superiores e espirituais.

Ora, o simples fato de o corporativismo (talvez fosse melhor usar, como o francês e como o Sr. Tasso da Silveira propôs — corporativismo, que no mínimo seria mais econômico), o simples fato de o corporativismo refletir inicialmente o sentido classista de organização política e econômica, que está em todas as soluções modernas, nos dá a medida da importância que o seu estudo tem nos dias de hoje. Mais ainda: da necessidade de se generalizar o seu estudo, necessidade que se alarga quando a Constituição atual traçou um esquema de organização corporativa para o Brasil, um corporativismo rebuscado e caprichoso, que reflete talvez o pensamento original do Sr. Francisco Campos.

A literatura corporativista no Brasil se reduz a alguns livros. O Sr. Anor Butler Maciel já publicou na Livraria do Globo dois trabalhos de divulgação. Não saiu até hoje um livro do Sr. Miguel Reale, que a José Olympio anunciou estar no prelo nos últimos dias do ano passado. O Sr. Temístocles Cavalcanti, que se revelou há pouco tempo um dos poucos estudiosos de direito administrativo em nosso país, lançou um trabalho bem valioso.

Na “Doutrina Social da Igreja” há, com as encíclicas definidoras do pensamento da Igreja diante da crise contemporânea, um livro de grande utilidade versando problemas de organização corporativa.

O Sr. Tasso da Silveira mostrou que um poeta, com a sua singular capacidade de colher nos quadros simples e triviais os grandes momentos de poesia, não está inabilitado para versar assuntos por vezes ásperos, e nos deu um bom e útil volume sobre a história do corporativismo, que se aproveita do seu estilo macio e imaginoso.

Outro volume de iniciação ao estudo do corporativismo é o do Sr. A. B. Cotrim Neto, que se revela um estudioso de fôlego e um especialista (dos únicos no Brasil), em “Doutrina e Formação do Corporativismo”, volume que foi incluído na Biblioteca Jurídico-Universitária da editora Coelho Branco. O ilustre Sr. Oliveira Viana reuniu monografias preciosas nos “Problemas de Política Corporativa”, pensamento aliás que já estruturava os seus pareceres de Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho. O autor de “Populações Meridionais” e de “Problemas de Política Objetiva” tem a vantagem de um conhecimento vasto da formação brasileira, e isto lhe dá título, ao lado do saber especializado, para ser um dos mais eminentes representantes do nosso pensamento corporativo. Há ainda estudos esparsos, e talvez algum outro livro que no momento tenha esquecido. É pois exigua a estante corporativa brasileira, que, certo, poderia tomar de empréstimo os trabalhos originais e as traduções portuguesas, notadamente depois da experiência do seu Estado Novo, tão rica de sugestões para nós, principalmente naquelas entidades originais como a “Casa do Povo”.

O livro do Sr. Oliveira Viana é um livro para as elites. O do Sr. Temístocles Cavalcanti quase isto. Os demais, embora não desprezíveis pelas elites, têm o seu caráter de divulgação ou de iniciação, sendo que o do Sr. A. B. Cotrim Neto é o que abarca o assunto mais totalmente. É um bom compêndio de corporativismo, compreendendo a história antiga e a história moderna das instituições e do pensamento corporativo, as várias experiências de hoje, legislação e outros documentos, e um estudo final sobre antecedentes corporativos e a adaptação de um sistema corporativo brasileiro. Ótimo para os estudantes, os que pretendem se iniciar no importante problema dos nossos dias, e também para os já iniciados que encontram em “Doutrina e Formação do Corporativismo” informações de fatos e fontes de grande utilidade.

O corporativismo é um assunto complexo. Há corporativismos os mais variados, inclusive os da “esquerda”… Não podemos nos estender mais. Fique, entretanto, observado, até que voltemos à questão, que, para chegarmos a uma organização corporativa brasileira, precisamos de muito estudo e de muita humildade diante das questões que ele suscita, para não imaginarmos que se cria o corporativismo… de uma penada.

Autor: Rômulo de Almeida, Cadernos da Hora Presente.

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