A LEGIÃO ESTRANGEIRA ESPANHOLA
Em 1916, aos 22 anos, Francisco Franco era apenas um capitão, o mais jovem da Espanha. Havia um ano que fora transferido para o Marrocos, colônia espanhola, onde poderia ganhar mais e as promoções eram por bravura e não por algum serviço administrativo, como na metrópole. Lá enfrentavam a guerrilha local, que resistia a invasão. Franco, sempre na linha de frente, fora ferido e condenado à morte pelos médicos. Sua família foi chamada, e seus superiores cogitaram lhe promover postumamente a major pela bravura. Contrariando as expectativas sobreviveu e recuperou-se. Exigiu e recebeu a promoção. Os inimigos criaram a lenda que ele possuía “Baraka”, que seria uma força misteriosa, “o sopro da vida”, que o protegia.
Nos meses seguintes, o major Franco e seu amigo, o coronel Millan Astray, alistaram mais 550 legionários, e os instruíram para combater o chefe Abd-el-Krim. Finalmente em uma licença, cinco anos depois de afastado de sua noiva, casou-se com sua amada, tendo, para surpresa de seu sogro, a presença do general Losada, representando o rei da Espanha, Afonso XIII. Apesar das pesadas perdas, a Legião Estrangeira Espanhola lutou com bravura, tendo Franco sempre na primeira linha de combate. Ele e Millan Astray impuseram um código com oito itens aos legionários:
I – O espírito legionário: o único e substancial dever é a agressividade cega e feroz: encurtar sempre à distância para o inimigo, para atacá-lo com a baioneta.
II – O espírito de camaradagem: “jurais que não abandonareis jamais um legionário no campo de luta, mesmo com o risco de morrerem todos”.
III – O espírito de união e socorro: ao chamado – A mi la legion! – todos correrão para prestar ajuda ao legionário, que, com ou sem motivo, se encontra em perigo.
IV – O espírito de marcha: um legionário jamais dirá que está cansado; antes preferirá cair morto.
V – O espírito de dor e de resistência: o legionário não se queixará de cansaço, nem de dor, nem de fome, nem de sede, nem de sono.
VI – O espírito de disciplina: o legionário cumprirá o seu dever até a morte.
VII – O espírito de combate: a legião pedirá sempre para combater sem tréguas, sem contar os dias, nem os meses, nem os anos.
VIII – O espírito de morte: morrer em combate é a maior das honras. A morte liberta de todas as dores e não é terrível, como parece. Mais terrível é viver como covarde. A bandeira da legião será a mais gloriosa, porque é manchada com o sangue de legionário.
A Bandeira da Legião – É a mais gloriosa por que está tingida com o sangue dos legionários.
Todos os homens legionários são bravos, cada nação tem fama de bravura, aqui deve demonstrar que pode ser mais valente.
De fato, lutar sob o comando de Franco não era fácil. Diz-se que era inflexível, duro, minucioso e exigente. Não fazia muitas amizades, mas jamais exigia sacrifícios de sua tropa que não estivesse disposto a exigir de si próprio. Suas tropas eram experientes, disciplinadas e vorazes – como seu líder. Este homem e seus soldados se levantariam contra a Frente Popular que ganhou as eleições legislativas na Espanha.
A INTERNACIONALIZAÇÃO DE UMA GUERRA CIVIL
Quando a revolta nacionalista começou, Franco constatou que quase toda a Marinha e a Aeronáutica estavam do lado republicano, e, com seu exército fora do continente, seria impossível retomar a Espanha. Por isso procurou apoio estrangeiro. As duas maiores potências anticomunistas na época eram a Alemanha nazista, de Adolf Hitler, e a Itália fascista, de Benito Mussolini. Havia também Portugal, de Salazar, que se tornou seu amigo mais tarde. Franco não hesitou em pedir auxílio. A ajuda alemã chegou a partir de agosto de 1936, na forma de 50 aviões Junkers Ju-86. Estes, somados aos aviões de transporte italianos, serviram para o transporte dos primeiros soldados e material bélico. A “Legião Condor”, comandada por Ritter Von Thomas era formada por voluntários da Luftwaffe [a força aérea alemã]. Habilmente treinados e perfeitamente disciplinados, colocariam em prática as táticas que até então eram apenas teorias sobre a guerra aérea e o bombardeio terrestre.
Os italianos colaboraram com dezenas de milhares de soldados e milhões de liras para a compra de armas e suprimentos. Os italianos tiveram milhares de baixas no conflito. Portugal enviou a “Legião de Viriato”, composta por 20.000 voluntários, que sofreu também perdas consideráveis. A Legião Viriato foi formada pelo major Jorge Botelho Moniz, presidente do Rádio Clube Português e amigo de Oliveira Salazar. Este deixou simplesmente que a ideia da Legião prosseguisse, mas não se responsabilizou por ela. É de Oliveira Salazar a frase que descreve melhor este momento: “a internacionalização de uma guerra desenvolvendo-se no quadro de um território nacional”.
Quando a guerra começou e se tornou conhecida ao mundo, começaram a chegar novos voluntários, que formaram a “Legião Joana d’Arc”. Cerca de 600 irlandeses, 10 ingleses e 100 franceses. Chegou também uma companhia de russos brancos, e sete membros da Guarda de Ferro romena. Da América do Sul chegaram grupos de argentinos e uruguaios, entre outros – há indícios da participação de brasileiros ao lado de Franco no conflito, mas minhas pesquisas ainda não provaram isto. Estes voluntários eram monarquistas, fascistas, nacionalistas, católicos ou até mesmo descendentes de espanhóis. Em comum só o anticomunismo.
A AÇÃO IRLANDESA E ROMENA
A motivação dos irlandeses foi basicamente o ódio aos comunistas. Eles ouviram que “os vermelhos estavam queimando igrejas e caçando padres e freiras”. O grupo foi liderado por Eoin O’Duffy, líder dos “camisas azuis”, movimento fascista* irlandês. A viagem foi patrocinada por católicos e por jornais nacionalistas. Partiram de Dublin, em 13 de novembro de 1936. Formaram a 15ª bandeira da Legião Estrangeira Espanhola. Ao chegarem em Jarama, em 11 de Fevereiro de 1937, se envolveram em um combate ferrenho na linha de frente, enfrentando as Brigadas Internacionais. Ambos os lados tiveram enormes baixas. A unidade foi retirada de combate, para praticamente não mais lutar. O’Duff retornou a Espanha em 1938, publicando o livro Crusade in Spain, onde se vangloria da luta anticomunista. Faleceu em 1944, sendo enterrado com honras militares.
A Guarda de Ferro romena, também conhecida como Movimento Legionário, enviou um grupo meramente simbólico para o conflito. Eram todos líderes do movimento, que participaram de sua fundação e organização. Muitos outros se propuseram a partir, mas o movimento não tinha recursos para a viagem. Partiram em 24 de novembro de 1936, e a tropa era liderada por Ion Mota, cunhado do líder da legião Corneliu Codreanu — além dele, foram o padre ortodoxo Dumitrescu Borsa e outros cinco voluntários. Chegando à Espanha, foram incorporados à 21ª companhia da Legião Estrangeira Espanhola, sob o comando do coronel Yague. Em 13 de janeiro de 1937, defenderam a cidade de Majadahonda de um ataque republicano. Tiveram dois mortos, um ferido e um doente, e vitoriosos, se retiraram dos combates voltando para seu país. Os romenos da Guarda de Ferro, após breve período em que administraram o país ao lado do ditador Ion Antonescu, deste divergiram e foram internados pelos alemães no campo de concentração de Buchenwald. Depois foram liberados pelos alemães para se defenderem da invasão russa, em 1945, quando já era tarde demais. Após a guerra muitos fugiram do país, inclusive para o Brasil. Os que foram para a Espanha, fizeram um grande monumento em memória de seus mortos, Ion Mota e Vasile Marin, na cidade onde tombaram.
O BRASIL NA ROTA NACIONALISTA
Alguns grupos de voluntários da América do Sul passaram pelo Rio de Janeiro, em 1936, em direção à Espanha. No Brasil existia a Ação Integralista Brasileira, partido nacionalista fundado em 7 de outubro de 1932, liderado por Plínio Salgado, seu “Chefe Nacional”. A AIB tinha afinidades ideológicas com a falange de Primo de Rivera, e apoiava a ação anticomunista de Franco.
Na Cidade do Rio de Janeiro, então Capital Federal, estava o jornal A Offensiva, seu principal órgão noticioso. A sede do jornal recebeu dois destes grupos voluntários. O primeiro grupo, chegou em 9 de setembro de 1936, e era formado por 10 espanhóis e 3 uruguaios. O grupo era procedente de Buenos Aires e Montevidéu. Chegou no paquete alemão General San Martin. Os uruguaios, Antonio Arribas, Benito Arribas e Bernardo Corrosso eram aviadores. Os argentinos, Carlos Castro, Amélio Fernandez, Manoel Mendez, Juan Arregri, Antonio Dapena, Ramon Ramoni, Benito Átrio, Laureano Casero e Rufo Arguñarena eram milicianos.
Em 1º de setembro de 1937 chegou outro grupo, no vapor General Artigas. Eram liderados pelo Chefe Nicolas Guintane e pelo sub-Chefe Enrique Rodrigues. Estavam com eles Sebastian Cereceda e Emílio Rosado. Foram recebidos pelo segundo no comando na AIB, Gustavo Barroso, e pelo diretor do jornal, Madeira de Freitas. Este, empolgado com aqueles homens, escreveu no editorial do dia 4 de setembro:
Vi-os, quando, atraídos pela força do ideal comum, procuraram a redação de A Offensiva. Saudei-os, como integralista, em nome e por ordem do Chefe Nacional. E vendo-os, adivinhei quanto de grave, de sublime e de transcendente lhes iluminava o olhar, onde um brilho estranho falaria bem mais alto do que as suas palavras de retribuição “al saludo de los hermanos del Brasil”.
(…) Integralistas e camisas-azuis, compreenderam-se. E marcham, com os patriotas do mundo inteiro, para a apoteose da grande epopeia, para o raiar de uma nova aurora, ao ritmo novo de um novo conceito de vida, o conceito da própria dignidade humana.
Finalmente, em 13 de Janeiro de 1937, chegou ao Rio de Janeiro, de Sevilla e indo para Buenos Aires, Raul Iglesias, agente da falange espanhola. Este estava em Barcelona no início das hostilidades, e se alistou no Exército de Moscardo. Recuou com estes para Alcazar, e lá ficou cercado durante meses. Levantado o cerco, participou do ataque bem sucedido a Irun. Lá, se tornou emissário da Falange e foi enviado para a Argentina. Na ocasião disse: “Pode publicar em seu jornal que a Espanha não é comunista e que os espanhóis nacionalistas estão certos da vitória pela confiança que tem no general Franco e pela fé que tem em Deus”.
Finalmente, em 13 de janeiro de 1937, chegou ao Rio de Janeiro, de Sevilla, e indo para Buenos Aires, Raul Iglesias, agente da falange espanhola. Este estava em Barcelona no início das hostilidades, e se alistou no Exército de Moscardo. Recuou com estes para Alcazar, e lá ficou cercado durante meses. Levantado o cerco, participou do ataque bem sucedido a Irun. Lá, se tornou emissário da Falange e foi enviado para a Argentina. Na ocasião, disse: “Pode publicar em seu jornal que a Espanha não é comunista e que os espanhóis nacionalistas estão certos da vitória pela confiança que tem no general Franco e pela fé que tem em Deus”.
A GUERRA SE TORNA MUNDIAL
Terminada a Guerra Civil, marcada pela extrema violência de ambos os lados em conflito, Franco começou a lenta reestruturação do país. Logo começou a 2ª Guerra Mundial, e lhe foi cobrada uma posição no conflito. O encontro com Hitler foi em 13 de Novembro de 1940, em Hendaye, na França. O encontro com Mussolini foi em 7 de Março de 1941, em Bordighera, na Itália. Franco optou pela neutralidade enviando para a Alemanha apenas uma divisão de infantaria, conhecida como “Divisão Azul”, a de número 250 da Wehrmacht, comandada pelo General-major Muñoz Grandes. Esta divisão era composta por voluntários espanhóis, na maior parte falangistas, e por cerca de 15 portugueses, ex-membros da Legião Viriato. Engajou-se na luta no setor de Leningrado, na Rússia, até ser retirada de combate, com cerca de seis mil baixas.
Dos portugueses desta divisão, somente um retornou vivo. A maior parte morreu no frio de 35º abaixo de zero das estepes russas. Chamava-se João Rodrigues Júnior. Este, em 1936, depois de ter cumprido o serviço militar, partiu para Espanha, onde havia começado a guerra Civil, e se alistara na Legião Estrangeira Espanhola. Em 1941, terminaria seu contrato de cinco anos com a Legião, mas decidiu por renová-lo para lutar contra o comunismo. Em 1942, aos 26 anos, retornou para sua casa, ainda um idealista.
Autor: Marcus Ferreira – Bacharel e licenciado em História, pesquisador do Integralismo Brasileiro no Centro Cultural Plínio Salgado entre 1998 e 2001. É autor do livro O Integralismo na cidade de Matão: Oswaldo Tagliavini e sua máquina de idéias.
Notas:
* Existe um debate sobre se o movimento de Eoin O’Duffy era “fascista”. Stanley G. Payne afirma que os camisas-azuis de O’Duffy não eram fascistas. Stanley G. Payne, ‘Fascism in Western Europe’ in Walter Laqueur (ed.), Fascism: A Reader’s Guide. Analyses, Interpretations, Bibliography (Pelican Books, 1979), p. 310.
Fontes:
Revista A Esfera. Portugal, 1942.
Jornal A Offensiva. Rio de Janeiro, 1936-1938.
Carap, Julia. Delírios e destinos. Niterói, RJ: Muiraquitã. 1997.
Legiunea In Imagini. Madrid: Editura Miscárii Legionari, 1977.
Revista “Anauê!”. Rio de Janeiro, 1935-1937.