Muitos propagandistas do getulismo e de sua política “nacionalista” costumam dizer que Getúlio Vargas foi o grande responsável pelo fechamento da Maçonaria em 1938. Como já é bem sabido, a instituição maçônica sempre se demonstrou como uma terrível ferramenta internacionalista de subversão cultural. No Brasil, não seria diferente. Tendo isso em mente, o movimento integralista foi o maior e mais forte opositor da maçonaria durante os tempos da Ação Integralista Brasileira, tendo condenado todas as organizações secretas já no Manifesto de Outubro. Em 10 de novembro de 1937, foi decretado o Estado Novo, sendo, supostamente, um Estado de caráter “nacionalista” e até mesmo “antimaçônico”.
O Fechamento
Em 1937, a maçonaria foi fechada pelo regime. Mas diferente do que é propagandeado e vendido, não foi pelas mãos do próprio Getúlio Vargas, mas sim por autoridades militares. Não apenas isso, o fechamento da maçonaria ocorreu semanas antes da decretação do Estado Novo. A autoridade responsável pelo fechamento foi o general Newton Cavalcanti, que era Integralista e um dos mais ávidos defensores de Plínio Salgado nas Forças Armadas.[1] A organização secreta seria oficialmente proibida no dia 25 de outubro de 1937.[2] Dante Ribeiro escreve: “O fechamento da Maçonaria foi recomendado pelo general Newton Cavalcanti, membro do Conselho de Segurança Nacional”.[3] Getúlio Vargas “consentiu apenas, como exceção, que a maçonaria do Distrito Federal (Rio de Janeiro) mantivesse seu funcionamento.“[4]
Mesmo com as ordens do general Cavalcanti, o Estado Novo não parecia ter muito interesse em manter o fechamento da organização maçônica. Alguns maçons até mesmo não hesitavam em ceder certo apoio ao regime de Vargas. Em 1938, o GOB decretou a expulsão de obreiros que professassem “ideologias contrárias ao regime”.[5] D. Ribeiro analisa este decreto como uma tentativa de manter a sobrevivência da Ordem. Tentativa esta que, provavelmente, foi bem sucedida. Cavalcanti, responsável pela proibição da sociedade secreta, pede demissão por volta do dia 2 de dezembro, após o banimento dos partidos, em protesto ao fechamento da AIB.
A Reabertura
Mesmo em 1937, as atividades maçônicas nunca chegaram a parar, de fato. De acordo com Helton Anderson, “muitas lojas continuaram a desenvolver seus trabalhos.”[6] A atitude tímida do Estado Novo viria a ser de grande colaboração para a continuação de tais atividades. Apenas dois meses após a decretação do Estado Novo, o regime já estaria concedendo liberdades às organizações maçônicas. O jornal “Diário de Pernambuco” noticia, no dia 17 de Janeiro de 1938, a reabertura de lojas no Rio Grande do Sul.[7] A maçonaria já tinha retornado às atividades: “Em janeiro de 1938, foi colocada na legalidade novamente”.[8] Apesar disso, de acordo com a GLESP, a organização só voltaria às atividades posteriormente por motivos que não chegam a ser esclarecidos pela sociedade. Acerca da situação, dizem:
“[…] a Glesp interrompeu suas atividades durante dois anos e nove meses. Durante a administração dos Reis, por razões diversas, a sede da Grande Loja mudou de endereço por três vezes. Em julho de 1940, quando a Ordem voltou a funcionar normalmente, os membros da Glesp passaram a reunir-se em sua quarta sede, na Rua Bresser, 1.145. A instituição permaneceu nesse local até 1949.”[9]
Porém, de acordo com o “Jornal do Commercio“, após várias conversas entre a autoridade maçônica Marrey Junior, grão-mestre da maçonaria de São Paulo e Carneiro da Fonte, chefe de polícia, o governo federal já havia autorizado a abertura de todas as lojas maçônicas de São Paulo.[10] As atividades maçônicas iriam continuar no país inteiro, sem nenhum impedimento do aparato estatal de Getúlio Vargas. Outro fato peculiar sobre o regime seria a atividade midiática da revista “Diretrizes”. A publicação tinha teor francamente subversivo, esquerdista e antifascista. E sem nenhum impedimento oficial, a revista não poupou esforços em fazer franca propaganda da maçonaria. A revista noticia, orgulhosamente, em suas páginas:
“Revestiu-se de grande solenidade a posse do sr. Joaquim Rodrigues Neves, grão-mestre do Brasil, eleito para o quinquênio de 1942-1947. A posso do novo grão mestre da Maçonaria Brasileira, instituição tradicionalmente ilustre na vida nacional, realizou-se na sede do Grande Oriente do Brasil, com a presença de enorme assistência, que ali fora levar ao sr. Joaquim Rodrigues Neves as expressões da sua simpatia e da sua solidariedade.”[11]
Em 1943, “O Jornal” noticia mais um ato da maçonaria, desta vez no Rio Grande do Sul. A organização estaria movendo uma “moção de solidariedade” ao interventor Ernesto Dornelles pelas suas ações em prol da assistência social.[12] No mesmo ano, a já citada revista “Diretrizes” publica a reportagem com o líder maçom Rodrigues Neves, intitulada de “A Maçonaria sobreviverá no mundo após-guerra?” Texto rasgado de elogios à instituição, como no seguinte trecho:
“Combatida em todos os tempos, vencendo o obscurantismo, ora estagnada, às vezes por litígios de grupos, ora avançando com um ímpeto inquebrantável, a Maçonaria atravessou séculos, regimes, instituições e constitui ainda uma poderosa organização.
Hoje a maçonaria assumiu a sua posição ao lado das correntes democráticas.”[13]
Não obstante o teor elogioso da matéria, o órgão esquerdista permitido pelo Estado Novo assegura: “DIRETRIZES nunca esqueceu o papel da maçonaria na história das liberdades populares.”[14] A revista “Diretrizes” não teve sua circulação cortada pelos seus inúmeros elogios à maçonaria. Só viria a ser censurada pela sua reportagem sobre Miguel Costa, líder da Coluna Prestes.[15] Nesta época, já era bem claro que qualquer intenção de cercear a sociedade secreta em solo brasileiro era completamente nula.
Conclusão
Getúlio Vargas e seu Estado Novo não foram, como querem seus propagandistas, ávidos combatentes da maçonaria. Esta ficara muito pouco tempo proibida e na ilegalidade, não pela ação do presidente, mas de figuras terciárias. A partir de 1938-1939, como se pode ver, a maçonaria já atuava livremente no país. O próprio chefe de Estado, como demonstrado antes, parecia não ter nenhum interesse em acabar completamente com a sociedade secreta, fazendo questão de manter a existência da sociedade secreta justamente na capital da época. Em realidade, o Estado Novo foi indiferente e, em grande parte do tempo, leniente com a existência da maçonaria.
Autor: J.M.
RECOMENDAÇÕES DE LEITURA:
1937: Os Estados Unidos fecharam o Integralismo no Brasil
Notas:
[1] PECHMAN, Robert. CAVALCANTI, Newton. In: Centro De Pesquisa E Documentação De História Contemporânea Do Brasil. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/CAVALCANTI,%20Newton.pdf. Acesso em: 26 set. 2024.
[2] Fechamento da Maçonaria. A Razão, Ceará, 1937. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=764450&pesq=Newton%20Cavalcanti&pasta=ano%20193&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=10393. Acesso em: 26 set. 2024.
[3] RIBEIRO, D. Aluízio Pinheiro Ferreira: Maçonaria, Revolução de 30 e a criação do Território Federal do Guaporé. v. 11, n. 2, p. 138–159, 1 jan. 2019. Disponível em: https://www.scielo.sa.cr/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1659-42232020000100138. Acesso em: 26 set. 2024.
[4] Idem.
[5] Idem.
[6] ANDERSON, H.; DE SOUZA, X. A MAÇONARIA E A DITADURA CIVIL-MILITAR ENTRE O NACIONAL E O LOCAL: MEMÓRIAS MAÇÔNICAS EM TEMPOS DE CHUMBO. [s.l: s.n.]. Disponível em: https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1564615309_ARQUIVO_MACONARIAEADITADURACIVILMILITAR.pdf. Acesso em: 26 set. 2024.
[7] Reabrem-se as lojas maçônicas do Rio Grande do Sul. Diário da Manhã, Pernambuco, 1938. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=093262_02&pesq=maçonaria&pasta=ano%20193&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=31796. Acesso em: 26 set. 2024.
[8] Silva, C. N. da, & Monteiro, F. (2018). Maçonaria e maçons: entre a fala assistencialista e a prática da assistência social como política pública. Revista Brasileira De História & Ciências Sociais, 10(19), 188–204. Recuperado de https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/10676.
[9] História – GLESP. Disponível em: https://www.glesp.org.br/?page_id=31. Acesso em: 26 set. 2024.
[10] Interior – São Paulo. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1939. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/docreader/DocReader.aspx?bib=364568_12&pagfis=62180. Acesso em: 26 set. 2024.
[11] NO GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Diretrizes, Rio de Janeiro, Edição 00105, p. 8. 07, 1942.
[12] Aplausos ao plano de assistência social do governo gaúcho. O Jornal, Rio de Janeiro, 1943. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=110523_04&pesq=maçonaria&pasta=ano%20194&hf=memoria.bn.gov.br&pagfis=18132. Acesso em: 26 set. 2024.
[13] A MAÇONARIA SOBREVIVERÁ NO MUNDO DE APÓS-GUERRA?. Diretrizes, Rio de Janeiro, Edição 00181, p. 3. 12, 1943.
[14] Idem.
[15] LUCA, Tania Regina de. “Revista do Brasil (1938-1943), um projeto alternativo?” In DUTRA, Eliana R. F. e MOLLIER, Jean-Yves (orgs.) Política, nação e edição – o lugar dos impressos na construção da vida política. Brasil, Europa e Américas nos séculos XVIII-XX. Olhares. Annablume. São Paulo/Belo Horizonte: Annablume/PPGH-UFMG, 2006, pp.328-329.