Não foi sem razão que o Chefe disse ser a América o último Ocidente e o primeiro Oriente.
Uma civilização agoniza, como um doente que passou por todos os sofrimentos experimentando todos os elixires aconselhados pelos esculápios.
Outra civilização surge forte e bela, consciente da sua responsabilidade. Os erros da civilização que se apaga servem de lição a esta nova civilização que aparece.
Os filhos desta Nova Era estão aprendendo com um pagé ainda moço, mas experimentado na medicina da floresta, o segredo da fabricação do suco para a renovação diária da vida do corpo e do espírito.
Os primeiro discípulos já partiram para longes tabas afim de ensinar aquele segredo aos seus irmãos de mesmo idioma.
As tribos mais distantes, e inimigas, que esperavam a hora para surpreender a taba do Grande Pagé, armaram toda sorte de ciladas aos apóstolos da Nova Vida.
Os mundéos de nada valeram. Os filhos da taba do Grande Pagé campearam a vastidão da Pátria, por atalhos só deles conhecidos, e ensinaram a todos os guerreiros doutras tabas o segredo de se tornar moço.
Agora, na noite tenebrosa da dúvida, povoada de lobisomens, bruxas, almas-penadas, saci-pererês, na orquestração babélica dos batráquios, entrecortada pelo urro estentórico dos minhocões que se espadanam medonhamente nos grandes rios, toda uma Nação formada de mais de 200 tabas ausculta a terra, consulta os astros e os deuses das florestas, na ânsia incontida de ouvir da taba de Piratininga, o troar do herói na voz dos ventos que cantam nas grimpas dos montes conclamando os guerreiros da Grande Nação, dispersos pelo continente, com o maior pocema de guerra jamais ouvido, desde a dispersão da Grande Raça, naquele dia saudoso e longínquo das Ibiturunas!
Impotentes para evitar a fatalidade, as tabas inimigas devastam a floresta para a construção das pirogas e ubás ligeiras com que contam fugir no dia agoirento, levando consigo os troféus pilhados sorrateiramente na taba do Grande Pagé, no tempo de paz.
Os pagés destas tribos traiçoeiras e covardes, na lassidão criminosa em que viviam, esqueceram a religião dos seus antepassados.
Mal sabem eles que o Grande Pagé, no dia da maior festa dos guerreiros que aprenderam o segredo selvagem de nascer todos os dias, com suas rezas e segredos guardados na profundeza da floresta, ressuscitará os mortos por aquelas tribos covardes e os enviará atormentar e enlouquecer os pagés, quando estes já estiverem singrando as águas dos rios para fugirem à fatalidade.
A fiel companheira Uyára se encarregará de sorver num trago os ubás dos fugitivos mais ligeiros, enquanto o espírito dos guerreiros mortos da mesma Grande Nação, em aparições fantásticas, enlouquecerá de pavor os fugitivos que se esconderem nas florestas e cavernas.
Depois daquela grande festa, os arautos do Pagé irão anunciar às remotas tribos do vasto continente a fundação duma Nova Nação — a maior e mais poderosa do Continente — povoada de Homens Novos, guiados por um Chefe supremo, cantando o mesmo pocema, comungando o mesmo Ideal, sob uma única bandeira — o símbolo da Mocidade Eterna e da Eterna Primavera da Vida.
O último sobrevivente da velha civilização ao entregar o facho de luz mortiça, que veio de mão em mão do fundo dos séculos nesta corrida de revezamento que é a vida da Humanidade, ficará surpreso, ao ver que antes do último marco de sua corrida, há uma fogueira resplandecente de luz, rodeada por Homens Novos e diferentes.
São os homens da Nova Era, que rodeiam o fogo sagrado do Ideal Novo e que estão esperando, já impacientes, na larga e insondável estrada da Evolução, o último sobrevivente da Velha Civilização, afim de fazê-lo parar aí pouco antes do último marco para que ele possa assistir aos preparativos de partida dos Homens Novos, que conduzirão a fogueira resplendente de luz da Nova Era, pela mesma estrada em que, talvez, aquele facho bruxuleante, pálido e mortiço passará em tempos quiçá astronomicamente remotos.
Muitos rapazes me entenderão. Outros não me entenderão.
Os primeiros que se rejubilem e se preparem afim de receber as responsabilidades e sacrifícios de iniciadores duma Nova Era, cujo aurorejar já se percebe no anoitecer lento e convulsivo da Velha Civilização.
Os segundos — os que não me entenderem — que se metamorfoseiem se não quiserem sofrer tremendas decepções ao encontrarem os Homens Novos na estrada da Vida.
Autor: Nicolau A. Torloni. Retirado de “ANAUÊ!”, Abril de 1936. p. 31.