Nacionalismo sem espiritualismo não é nacionalismo, porque a concepção materialista da vida inspira o epicurismo egoísta, ou o estoicismo fatalista, e tanto um como outro são contrários ao sacrifício como finalidade mística e a ideia da Pátria se alimenta de sacrifícios por ela.
O materialismo gera ou o sentido individual da comodidade e do prazer como finalidade da existência, ou o sentido de subordinação aos sofrimentos e às situações consumadas.
Materialista epicurista só trata de si, tornando-se incapaz de sacrificar um interesse pelo supremo interesse nacional. O materialista estoico faz da dor, do padecimento, um ato com finalidade em si próprio, por conseguinte, um motivo de vitória do “eu”, em razão e no interesse do próprio “eu”.
Sob esse aspecto, o materialismo epicurista, gozador, confunde-se com o materialismo resignado, impassível, cético; um e outro se tornam o culto do egoísmo.
Não há uma terceira forma de materialismo. Por mais variadas que sejam as filosofias baseadas na matéria, todas elas, no fundo submetem-se a uma dessas expressões do egoísmo. Ou a alegria dionísica individualismo sem peias, ou o sorriso melancólico do individualismo represado. Egoísmo centrífugo, ou o egoísmo centrípeto, um e outro de negadores do espírito imortal, levam à dissociação do grupo natural, assim como levam à insubsistência do grupo nacional.
Pregar, portanto, nacionalismo sem espiritualismo, é lançar artificialmente ideias sem alma. É pretender criar um nacionalismo intelectual, sem a força do sentimento.
O nacionalismo não pode se alhear das questões que interessam o espiritualismo.
Essas questões que interessam o espiritualismo são as concernentes à estabilidade dos próprios elementos sociais que alicerçam o nacionalismo.
Que elementos são esses?
— a pessoa Humana;
— a Família, sua projeção moral e seu próprio anteparo;
— o Grupo Profissional, onde se refletem as aspirações econômicas da Pessoa e da Família;
— o Município, ou agrupamento de famílias e de grupos profissionais.
Que questões concernem a esses elementos?
— a intangibilidade e dignidade da Pessoa Humana;
— a da soberania da autoridade familiar no âmbito de sua influência;
— a da justiça e equilíbrio social e padrões de vida garantidores da Família e da Pessoa Humana;
— a da autonomia política do aglomerado municipal, onde se enquadram a Pessoa, a Família e a Profissão.
Estamos diante de uma crise política, decorrente de uma crise econômica, esta originária de uma crise moral diretamente ligada a uma crise espiritual.
A gravidade da situação que atravessamos não está no comunismo, porém nos males que ele não passa de simples sintoma.
Combater, pois, o comunismo, apenas com a palavra “nacionalismo” é uma loucura tão grande como dizer a um esfomeado: “o seu mal não é a fome, porém, a falta de dinheiro, e como não quero lhe dar dinheiro dou-lhe o remédio, isto é, um conselho para que arranje dinheiro”. Ou, então, a um doente em estado grave: — “o seu mal não é a doença, porém a falta de saúde; não lhe dou, porém, medicamentos, mas um conselho: trate de ter saúde, que é muito melhor do que a doença”.
Que precisamos de “nacionalismo” ninguém nega. Mas, que toda e qualquer propaganda de nacionalismo exclusivamente pelo nacionalismo de nada adianta, isso é evidentíssimo nos dias que correm.
O nacionalismo sem espiritualismo, cai numa destas fatalidades:
— ou adquire um aspecto reacionário, que irrita as massas populares indignadas com tudo isso que aí está (a ostentação dos ricos; a humilhação dos pobres; a falta de poder aquisitivo das populações das cidades e dos campos; os costumes grosseiros, o paganismo de uma sociedade que se diz católica exibindo a sua nudez, nas praias, frequentando cassinos, cabarés, tolerando as mais tremendas imoralidades; o orgulho dos poderes; a desenfreada traficância e especulação dos magnatas da finança; o abandono em que jazem os míseros habitantes das favelas, dos mocambos, dos sertões).
— ou adquire um espectro de pura literatice, ridículo exibicionismo de diletantes, nacionalismo de amadores, de divertimento, disponibilidades intelectuais.
Em qualquer das hipóteses, o comunismo será uma força maior do que esse nacionalismo sem alma, sem coração, sem dor, sem sofrimento, sem sacrifício, sem luta, sem ofensiva contra as fontes dos males atuais.
Nacionalismo sem conteúdo social é nacionalismo de cenografia, onde a paisagem é de papelão pintado. O conteúdo social só pode inspirar-se no espiritualismo, pois do contrário cairíamos no comunismo, que nega o nacionalismo.
É, portanto, pernicioso da hora presente, o nacionalismo que não trouxer consigo os remédios para as desgraças populares, para as enfermidades sociais.
Esse nacionalismo agrava a situação, porque exaspera os sofredores, que querem justiça social e conjuração das crises que amargam o recesso dos lares da Pátria.
Quando esse nacionalismo se apresenta como artigo de primeira classe, como aquele que se organiza em São Paulo, com poetas elegantes e escritores milionários, então ele só serve para irritar o povo, não que não reconheçamos boa vontade nos seus propagandistas, mas porque, ignorando eles que o povo quer resolver o seu problema do estômago e que este está ligado intimamente à uma ética decorrente de uma concepção espiritual desesperam em vez de esperançar, provocam ódios, em vez de acordar entusiasmos.
Também apenas o espiritualismo sem o nacionalismo, é um erro que atenta contra a natureza humana.
As ações sociais sem ação política imediata não cogitam do fator Tempo. Quando a ação social é num sentido espiritual, o Tempo é o que menos importa. “Meu reino não é deste mundo”, dizem os nobres propulsionadores das ideias sociais espiritualistas.
Para os objetivos transcendentais, está certo. A ação social baseada exclusivamente na transformação dos espíritos num rumo de aperfeiçoamento moral é tão grandioso quanto indispensável, ninguém o nega.
Mas o homem é de carne espírito. O homem tem finalidades no Céu como também as têm na terra. O homem ora e se alimenta e alimenta e veste e educa a sua prole.
Para os espiritualistas de gabinete, que possuem milhares de contos de réis, é muito bonito dizer “o meu reino não é deste mundo”. Para os espiritualistas das batalhas pelo pão nosso de cada dia, é mais belo dizer: “o reino da minha alma não é deste mundo mas o do estômago meu e de meus filhos é deste mundo”.
Não, não é possível relegar para um plano secundário os gritos vísceras e o choro aflito dos filhos. Temos que dar a César o que é de César e o mais depressa possível, para que ele, inspirado em Cristo, nos dê justiça, sem a qual não há equilíbrio social, ordem no Estado, grandeza nacional.
Este nacionalismo que o Integralismo prega não foi improvisado na hora da tempestade, como uma precária barraca para abrigar os timoratos.
Este Nacionalismo foi construído com vagar, segurança, paciência, sofrimento, incompreensões, perseguições, martírio de seis mortos tombados em torno da nossa Bandeira, e mais seiscentos feridos nas refregas contra o comunismo de Moscou.
Este Nacionalismo não é um barracão: é um monumento, com 3.000 colunas, os 3.000 núcleos que funcionam em toda a carta geográfica da Pátria.
Este Nacionalismo Integralista foi obra de perseverança, de teimosia, de lutas terríveis.
Ele tem custado a renúncia a bens materiais em benefício dos interesses materiais e espirituais do Povo Brasileiro. Ele se propagou sem dinheiro de milionários, sem prestígio de governadores, sem auxílio da imprensa. Padeceu ironias, achincalhes, revezes, manobras cruéis. Não transigiu, não recuou, não esmoreceu.
Esse Nacionalismo Integralista viu surgirem e desaparecerem perto dele numerosas organizações chamadas nacionalistas ou cívicas; absorveu várias organizações dessas, presenciou o fracasso de muitas, que pareciam fadadas, pelos nomes que traziam e pelo dinheiro que dispunham, a suplantar o Integralismo…
Que razão é essa tão forte que nos sustem de pé na batalha, que nos faz marchar, firmes, vencendo todas as dificuldades? Porque motivo se desencadeiam contra nós tamanhos vendavais de calúnias, intrigas, injúrias, as organizações tenebrosas dos maus, as conjurações dos perversos e a coligação dos medíocres e despeitados? E por que resistimos?
Nacionalistas de todas as escolas, nacionalistas de todos os feitios, nacionalistas literários e nacionalistas nobremente improvisados, nacionalistas que irão desaparecer, ou na voragem das vossas desilusões, ou no marasmo do vosso cansaço, ou, na gloriosa adesão ao Integralismo, hipótese em que desapareceis apenas da tentativa falha para surgirdes bem vivos em nossas fileiras, se quereis saber porque resistimos, vinde ver os meus dias e as minhas noites. Vinde examinar meus quatro anos de combate e de suplício. Vinde e olhai-me. E compreendereis. E se não compreenderdes, vossos filhos compreenderão.
O meu Nacionalismo está cheio de Deus e é sedento de justiça: o meu Nacionalismo não é reacionário, porém revolucionário; o meu Nacionalismo não é uma atitude literária: é um drama, é uma tragédia, é a interpretação das angústias de um Povo e das aspirações supremas de uma Nacionalidade.
Vinde enquanto é tempo. Encontrareis aqui o gosto amargo do sofrimento.
Ficai, porém, sabendo, que o triunfo também tem esse gosto amargo. Porque esse é o licor sagrado com que o Destino costuma saudar a vontade inabalável dos que se propuseram vencer.
Autor: Plínio Salgado. Retirado de “A OFFENSIVA”, 23 de Outubro de 1936