Estudo crítico do Trabalhismo de Pasqualini

Tendo influenciado profundamente o pensamento de Leonel Brizola, de Getúlio Vargas e de muitos partidos das últimas décadas, a doutrina política do Trabalhismo Brasileiro é, ainda hoje, uma força ideológica com largo impacto sobre associações, partidos e lideranças públicas.

Portanto, é de grande necessidade política uma análise sóbria do seu conteúdo doutrinário. Porque o Trabalhismo Brasileiro não é um simples “conjunto de reivindicações quanto às garantias jurídicas do trabalho proletário”, como talvez o nome possa indicar, mas uma filosofia social, que estabelece conceitos bem definidos de Sociedade e Trabalho, objetivando eliminar a “usura social”, isto é, a exploração de uns pelos outros, através de uma nova organização da sociedade. Nesse sentido, o Trabalhismo Brasileiro se propõe a ser “um critério de orientação, na solução de qualquer questão ou problema nacional”. Tudo isso assume, portanto, uma seriedade maior, um peso novo ante qualquer adesão.

Usamos, para este trabalho, as duas fontes mais abalizadas e importantes da doutrina trabalhista: “O Trabalhismo”, de J. Leães Sobrinho, e a coleção “O pensamento político de Alberto Pasqualini”. Nos baseamos, tanto quanto possível, no texto direto de Pasqualini. Sobre a primeira obra, de J. Leães Sobrinho, o prefácio de Pasqualini (ao qual se ajuntava uma apresentação de Getúlio Vargas) assegura: “Este livro, como diz o seu título, é uma síntese da história e das ideias do trabalhismo, exposta em forma correta e brilhante pelo seu jovem e culto autor. Através dos seus capítulos poderá o leitor […] compreender a sua índole [do trabalhismo] e as suas características. É este um estudo fundamental para todos os que desejam conhecer o pensamento trabalhista”. Já sobre o próprio Pasqualini, Getúlio Vargas definiu: “O eminente patrício Dr. Alberto Pasqualini é o doutrinador mais autorizado do Trabalhismo Brasileiro”.

⦁ Socialismo e Trabalhismo

Algumas coisas devemos salientar. Em primeiro lugar, o Trabalhismo Brasileiro, em algum sentido, pode não ser socialista. Mas esse sentido é muito específico. J. Leães Sobrinho escreve: “o nosso é um partido que, doutrinariamente, se define pelas concepções básicas do socialismo, sob sua forma evolucionista, que condiciona, por isso mesmo, a sua aplicação gradativa às oportunidades e ao exame de uma política experimental”. Eis porque “o trabalhismo […] é um movimento de esquerda que, se não pugna pela implantação imediata e em toda sua integridade dos seus princípios socialistas, quer, no entanto, orientar a democracia nesse sentido pela incorporação progressiva das suas reivindicações sociais e econômicas, dentro de um ritmo evolutivo”.

E o que é esse socialismo? Como esclarece Pasqualini, é a “socialização dos meios de produção, de circulação e de troca, mediante uma planificação da economia”. O pensador explica ainda o seguinte: o fato que os trabalhistas se abstenham de uma postura prática favorável ao socialismo é porque, no Brasil, não há pressupostos técnicos, financeiros e educacionais para sua plena execução. Daí o teor evolucionista do trabalhismo, ao qual remete Leães Sobrinho. Portanto, o trabalhismo não é “necessariamente, um movimento socialista. Como vimos, o socialismo não é um fim, mas um meio” — condicionado à evolução social, política e econômica do País. Não é substancial, doutrinária, qualquer postura fora da esquerda do trabalhismo; mas sempre circunstancial. Sua doutrina, pautada no evolucionismo, tende a uma máxima socialista. Pasqualini, falando da propriedade privada, dá a entender que ela não seja nada além de uma deficiência no processo evolutivo da sociedade econômica. Poderia o trabalhismo, com o tempo, degenerar para o socialismo na prática, de maneira que a “organização da sociedade” que propugna venha a ser uma organização socialista? Isso nos parece natural: seria uma consequência lógica.
Pasqualini refere-se à propriedade privada dos meios de produção visando lucro como “a causa do mal” na questão social. Esta, diz ele, deve ser mantida, por ser conveniente, na atual fase da humanidade. A propriedade privada é pragmaticamente suportada. E isso porque (sugere ele) Jesus Cristo foi crucificado exatamente por atribuir à riqueza um caráter de injusta. “Eu não ousaria” — ele continua — afirmá-lo também, para não ser crucificado. Palavras dúbias, mas reveladoras. Pasqualini também não titubeia em atribuir à ideia de socialismo “a salvação dos povos e do gênero humano”. 

Tudo isso parece vir da identidade do trabalhismo brasileiro com o trabalhismo inglês. J. Leães Sobrinho, se referindo ao Labour Party, “fonte inspiradora dos verdadeiros partidos trabalhistas”, escreve: “O que diferencia, por conseguinte, os partidos trabalhistas, não é a concepção doutrinária, que é única em todos eles, mas o aspecto construtivo e a aplicação do sistema”. Eis porque às críticas que agora fazemos ao trabalhismo brasileiro não seria sem propósito acrescentar as críticas que se fizeram no último século da terrível ideologia labourista inglesa, perfeitamente sintetizadas pelo nosso companheiro Alberto B. Cotrim Neto em Curso de Doutrina dos Socialismos.

⦁ O Homem e a Sociedade

Toda política parte de uma compreensão do Homem e da Sociedade. Pasqualini se atém verbalmente a partir da definição do Homem como “ser social” de Aristóteles, buscando, em torno disso, identificar as razões desta sociabilidade humana. O Integralismo entende que o homem cria a sociedade como harmonia, para trocar benefícios materiais e espirituais, pelos quais seja mais apto a cumprir seus deveres e garantir seus direitos, no sentido de uma plena realização metafísica. Qual é, então, a doutrina trabalhista da sociabilidade humana?

Explica Pasqualini que sociedade é uma organização da cooperação humana. Essa cooperação se exprime, individualmente, através do trabalho. Trabalhismo, pois, é a “doutrina segundo a qual a sociedade humana é um sistema de cooperação que tem por base o trabalho”. Que é o trabalho? Toma-se trabalho “sempre”, escreve Pasqualini, como “uma atividade econômica e socialmente útil”, ou, definido em termos bem estritos, é “qualquer gênero de atividade de que possa resultar um benefício econômico, não apenas a quem a exerce, mas também para os demais membros da coletividade”. Essa definição não chega a ser cristalizada, mas, em suas variantes, é sempre materialista: em outra passagem, por exemplo, ele reduz o trabalho a “qualquer gênero de atividade de que possa resultar em benefício econômico e, portanto, monetariamente mensurável a quem exerce”. Não é mais o Trabalho aquele conceito espiritual de benefício trocado, mas um conceito material de atividade essencialmente lucrativa.

Para Pasqualini, portanto, a sociedade é uma teia de relações econômicas, onde interesses econômicos formam a cooperação humana, através da divisão de atividades econômicas — isto é, da divisão de trabalho, que constitui a sociedade. Ele próprio, sugerindo que “a sociedade, em última análise, é um intercâmbio de trabalho”, a vê como um intercâmbio de atividades econômicas socialmente ou ao menos individualmente úteis. Ela torna-se uma união econômica de meios, sem qualquer fim especial. Tudo resume-se nas suas últimas consequências ao interesse econômico.

Sem definir o Homem por si mesmo, Pasqualini fica no “homem social” aristotélico, e o interpreta sob o signo do homo economicus de Marx, criando o Homem materialmente movido em sociedade, cuja razão de sociabilidade é sobretudo econômica. O problema moral e cultural da sociedade não está presente — e os intérpretes trabalhistas podem sempre optar por políticas e ideias cada vez piores para a Nação.

⦁ O Trabalho

Pasqualini aponta no trabalho (i. e. a atividade econômica individual) a base integral de sua doutrina. Plínio Salgado — verdadeiro trabalhista, diremos nós — considerava-o fundamento do Estado, da Sociedade e da Economia (v. Concepção Integralista do Trabalho), como um conceito espiritual e metafísico: Pasqualini também o considera, mas desta vez como um conceito material e econômico. É, então, uma doutrina, desde já, fundamentalmente materialista.

Partindo da primazia do Trabalho, como uma das “diretrizes fundamentais do trabalhismo”, Pasqualini professa o valor-trabalho, ainda que em algum sentido o queira conciliar com o valor-utilidade, antiga tradição cristã e tomista, mas sem deixar de afirmar que “o trabalho é a causa principal do valor de quase todos os bens”. Assim, embora a utilidade entre no quadro da formação do valor econômico, o valor-trabalho exerce primazia sobre ela, precisamente por ser a “fonte originária e primacial dos bens”, ou a fonte “principal e ordinária dos bens produtivos”. Confunde Pasqualini, aí, bem (fato) e valor (medida) — o plantio da laranja não altera o copo medidor do suco. E, por isso, seu sistema econômico é impossível.

Embora possa agradar aos olhos dos social-revolucionários que mais radicalmente buscam pretextos para seus intentos políticos, a emanação do valor pelo trabalho é sempre falha, por partir — integralmente ou não — do pressuposto de que os bens valham pelo trabalho contido neles, e não unicamente pelo complexo que conjuga a transmissão do consenso social à dimensão subjetiva de desejo em face de sua utilidade, sendo ambas as concepções inconciliáveis e antagônicas. A tentativa de conciliação entre as duas doutrinas é incompreensível. Isso porque partem, uma e outra, de dois princípios diferentes de valoração e duas concepções morais diferentes sobre as coisas. Como assinalava M. Block, da (correta) perspectiva da utilidade como fonte de valores, “o valor é proporcional à utilidade do produto do trabalho” — a utilidade, sendo fonte dos valores em qualquer medida, encontra uma proporcionalidade no trabalho, não em sua própria atividade, mas apenas na medida em que este implica no melhoramento do produto. Isso implica numa inversão grave com o valor emanado do trabalho que produz o produto que garante uma utilidade. Tal a inconciliabilidade das duas concepções, ambas inversas e distintas, que nunca podem ser dualizadas senão por aqueles que confundem o valor com o preço, para onde concorre o trabalho como preço-de-custo.
O ecletismo trabalhista de valor-trabalho-utilidade — uma de suas “diretrizes fundamentais” — se demonstra nesses termos inexplicável — estabelecendo a coexistência de duas fontes de valor, mas sem atribuir a nenhuma delas uma importância específica, senão um maior ou menor grau de importância a cada uma —, contraditório e incapaz de aplicação no jogo econômico. Mesmo com essa dualidade imaginária estabelecida entre o trabalho e a utilidade na formação dos valores, Pasqualini é incapaz de passar incólume a todos os mesmos defeitos apontados no valor-trabalho ordinário. Ora, Marx já havia atribuído uma parcela do valor à utilidade : sem explicá-la, a economia comunista jamais transpôs a linha da razão. E disso que a concepção trabalhista do valor seja essencialmente marxista.

Após já ter realizado Pasqualini a materialização da própria sociedade, a emanação do valor pelo trabalho, por sua vez, é, novamente, uma materialização do fenômeno social. Conceitos espirituais, morais, como o trabalho, o valor e a sociedade, transplantam-se em conceitos materiais, econômicos, e viram a base de toda a organização social.

⦁ O Estado

Postos esses dados, Pasqualini procura estabelecer “a essência do trabalhismo”, que coloca como a “função precípua do Estado”. A princípio, essa função é excelente em si: ao Estado cabe garantir que “todo ganho [esteja] sempre em função do valor social do trabalho de cada um”, ou seja, a principal função social do Estado é garantir a justa remuneração individual. Sendo a função precípua do Estado de natureza puramente econômica, o trabalhismo materializa a ideia de Estado, estabelecendo, novamente, o primado da economia. E, se esse objetivo, por si próprio, é louvável, essa ética estatal rouba ao Estado todos os seus altos objetivos de ordem (a “unidade da paz” de S. Tomás), soberania, desenvolvimento, justiça extra-econômica e moralidade.

A “essência do trabalhismo” retorna a fórmulas individualistas antigas, realizando mais uma vez a dicotomia Indivíduo—Estado. É o velho individualismo liberal que se tem em cena: em sua lide com a sociedade, o Estado tem o papel social precípuo de servir diretamente aos indivíduos, e não de garantir a harmonia dos conjuntos sociais, “a manutenção das estruturas orgânicas”, como, aliás, preconiza, na Quadragesimo Anno de Pio XI, a Doutrina Social da Igreja Católica, da qual Pasqualini se proclama discípulo, embora se desvie na “essência” de sua doutrina. Se a função precípua do Estado está, imediatamente, na remuneração individual, então o Estado existe com pura razão dos indivíduos atomizados.

O Estado, reforçamos, sendo uma instituição jurídico-política, não pode ter função precipuamente econômica: a economia política é um meio a serviço dos interesses superiores da Sociedade Civil. Só uma visão materialista do homem, da sociedade e do Estado poderia dizer o contrário.

⦁ Conclusões

⦁ O Trabalhismo Brasileiro é uma doutrina socialista, inimiga da propriedade privada, ainda que busque atingir seus objetivos de forma lenta.

⦁ Toda a doutrina trabalhista brasileira se baseia em um conceito materialista do Homem (considerado como homo economicus) e da Sociedade (considerada como teia de relações econômicas).

⦁ Como um dos princípios fundamentais do trabalhismo brasileiro, inspirando todos os detalhes da sua organização social, está o conceito materialista do valor-trabalho, baseado em Karl Marx e oposto à doutrina social cristã.

⦁ O conceito trabalhista do Estado é materialista e individualista.

Autor: Matheus Batista | Católico. Integralista. Pai.

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