A recente operação da Polícia Federal, a Tempus Veritatis, tem gerado um intenso debate. Dentre os 37 indiciados, um nome que se destaca é o do padre José Eduardo, da Diocese de Osasco, que vem sendo alvo de uma investigação por, supostamente, ter colaborado na elaboração de uma minuta de decreto para um golpe de Estado. As acusações que envolvem o padre têm gerado controvérsias, não só pelos atos que lhe são atribuídos, mas pela maneira como a investigação tem sido conduzida, levantando dúvidas sobre os reais interesses por trás dessa operação.
O cerne da acusação contra José Eduardo gira em torno de sua atuação em um suposto complô para subverter a ordem democrática do Brasil. O padre teria participado da criação de uma minuta de decreto que, segundo as investigações, visava instaurar um golpe de Estado, declarando o Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, ele teria elaborado uma oração pedindo aos brasileiros que incluíssem 17 generais e o ministro da Defesa em suas preces. A aparente intenção seria uma forma de mobilizar apoio para a trama.
No entanto, a pergunta que surge diante dessa investigação é: até que ponto a ação da Polícia Federal está, de fato, cumprindo seu papel de preservar a ordem democrática ou se está, na realidade, instrumentalizando a força do Estado para criminalizar a oposição ao governo? As medidas cautelares contra o padre, como a proibição de contato com outros investigados, a entrega do passaporte e o compromisso de não deixar o país, revelam um esforço para isolar o padre e impedir que ele se comunique com pessoas que compartilham de suas convicções, o que levanta questionamentos sobre os limites da liberdade de expressão e ação política.
A relação do padre com figuras como Filipe Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro, e Amauri Feres Saad, advogado e “mentor intelectual” da minuta, também tem sido apontada como indicativo de uma possível rede de apoio à trama golpista. Mensagens de WhatsApp e e-mails revelam a proximidade entre os envolvidos, o que é considerado um indício de coordenação para a criação de um decreto presidencial que subverteria a ordem constitucional. O próprio padre José Eduardo teria se reunido com esses aliados em Brasília, onde, em novembro e dezembro de 2022, visitou o comitê de campanha de Bolsonaro e o Palácio da Alvorada, reforçando ainda mais a suspeita de uma possível articulação golpista.
A investigação ainda revela o envio de um artigo de Amauri Saad ao padre, no qual o advogado defendia o uso do Art. 142 da Constituição para garantir poderes ampliados ao Presidente da República em situações de crise. A interpretação do artigo, que sugeria que o presidente poderia remover ministros do STF e não cumprir decisões judiciais, poderia ser usada como justificativa para a instalação de um regime de exceção. O objetivo da trama, segundo a Polícia Federal, seria justamente criar uma base jurídica para a instalação de um golpe, com o uso das Forças Armadas para garantir a ordem no país.
No entanto, a grande questão é se estamos testemunhando uma operação legítima da Polícia Federal para investigar um possível golpe ou se, por trás disso, há uma tentativa de criminalizar a oposição ao atual governo, especialmente na polarização partidária recente. A verdade é que, no jogo dos partidos, o desejo da alta cúpula do governo é retornar à situação de 10 ou 15 anos atrás, quando a única “oposição” à esquerda brasileira era o morno PSDB e derivados.
A investigação tem como alvo pessoas que, em sua maioria, são ligadas ao espectro político que se opôs à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. O fato de a investigação envolver figuras como Filipe Martins e o próprio pe. José Eduardo levanta a suspeita de que a operação possa ser mais uma tentativa de enfraquecer politicamente aqueles que se opõem ao governo, usando a máquina pública para criar um clima de medo e repressão – a mais clara evidência desse cenário, é o fato de que várias pessoas que foram presas nos acontecimentos do 8 de janeiro permanecem encarceradas, muitas sem condições de sobreviver por trás das grades em razão de problemas de saúde e afins.
Vive-se, mais do que nunca, em uma realidade onde está cada vez mais tênue a linha entre a preservação da ordem pública e o abuso de poder. À medida que a investigação avança, devemos seguir questionando se estamos presenciando um legítimo esforço para defender a ordem pública ou uma tentativa de subverter a liberdade de expressão e ação política no Brasil.
Autor: João Guilherme.