Os registros dos cronistas, são tanto maiores, quanto mais se acentua nos fatos, a existência de um pensamento, a intervenção de uma força consciente, a imprimir novos rumos à História. E, por isso, nenhum acontecimento de envergadura, deixa de situar na primeira plana a figura de um homem trabalhando as massas, no sentido de fazê-las compreender as transformações que pretende efetuar.
Dia 7 de setembro. Festejou-se a data da independência política do Brasil. Não bastam as grandes homenagens dos desfiles populares, nem o aparato das formações de tropas. As festividades cívicas devem ser compreendidas nos seus justos termos e, ao mesmo tempo que se sucedem as passeatas, faz-se necessária a concentração dos espíritos, a meditar nas lições da História, para deduzir daí os caminhos do futuro.
As tropas reboantes, de cunho acentuadamente demagógico, não são de molde a fornecer a mais favorável das ideias a respeito da cultura cívica de um povo, se não forem acompanhados do estudo do acontecimento em todas as suas projeções. Em consequência, não poderíamos nós cair na rotina dos ditirambos vazios.
Preferimos bordar considerações em torno do 7 de setembro, assinalando as verdades históricas e, conjuntamente, glorificar a figura do homem que tornou livre a Pátria — D. Pedro de Alcântara — primeiro imperador do Brasil.
UMA PERSONALIDADE DETURPADA
Alguns historiadores brasileiros (a quem poderíamos chamar de “historicidas”…), apresentam-nos D. Pedro I como um devasso, boêmio incorrigível, desordeiro, mulherengo, enfim, completo inconsequente. As atenções desses escrevinhadores, voltam-se mais para as frou-frous de saias nas alcovas do Paço de S. Cristovão, do que para os verdadeiros gestos do Imperador, que permitem divisar uma das maiores vocações políticas surgidas no Brasil.
Não pretendemos negar as aventuras galantes do primeiro monarca, e as atitudes arrebatadas que tanto escandalizaram a sua pacatíssima corte. Originaram-se mais de defeitos de educação do que propriamente de caráter.
Desejamos ressaltar, sobretudo, a sua personalidade de grande político, autêntico homem de Estado, na mais lídima acepção da palavra.
ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA INDEPENDÊNCIA
Como a Natureza, “A História não dá saltos”. Na vida dos povos ou das nacionalidades, os dias fastos e nefastos não costumam raiar abruptamente, como se houvessem a preceder-lhes, na elaboração dos acontecimentos, outros dias e noites.
A independência do Brasil, vinha se ensaiando em sucessivos movimentos de caráter libertário, sobre os quais não nos cabe falar no momento, senão para lembrar a sua existência.
A chegada de D. João VI, com toda a sua corte, em fuga desabrida dos soldados de Napoleão, veio favorecer grandemente o Brasil. O monarca português dava a sua terra como liquidada para sempre… Vinha “fundar um novo Império”. Movido por esses intuitos, governou sabiamente, inaugurando indústrias, abrindo escolas que foram os fatores preponderantes na consolidação da consciência nacional ainda na sua primeira fase.
É de grande importância o fato de ter elevado o Brasil à categoria de Reino.
Passado o vendaval napoleônico, o rei de Portugal, Brasil e Algarves regressou aos penates, deixando aqui o príncipe D. Pedro como regente. Data de sua partida em 1821 o início do verdadeiro e definitivo movimento de Independência.
Conta-se que, por ocasião das despedidas, D. João VI aconselhava ao jovem regente: “Meu filho, põe sobre a cabeça a coroa, antes que um aventureiro a tome…”
A MAÇONARIA E O PATRIARCA
Há coisas, na História do Brasil, aceitas mais ou menos sem discussão e, geralmente, ninguém se dá o trabalho de penetrá-las mais a fundo, com o receio quase infantil de destruir um maravilhoso conto de fadas…
Teria havido um “Patriarca” na Independência brasileira? — É difícil opinar contra ou a favor, no limitado espaço de que dispomos para uma crônica…
Segundo inúmeros depoimentos, os Andradas até o derradeiro instante, não tinham tomado partido definitivo. Quando a separação do Brasil de Portugal era um fato consumado, aderiram com entusiasmo…
José Bonifácio de Andrada e Silva, cognominado o “Patriarca”, salientou-se particularmente nessa ocasião. Grão-Mestre da Maçonaria, representou bem o seu papel…
Tem sido atribuído a ele o plano político da Independência manobrando a epilepsia do príncipe D. Pedro… Nada mais falso. Não existiu a sua propalada influência. Foi o monarca que se utilizou do Andrada, valendo-se do seu prestígio do chefe do Grande Oriente, muito poderoso em determinados círculos…
Vem à baila as declarações do Marquês de Olinda a Mello Moraes pai, dizendo que “José Bonifácio era oposto à Independência do Brasil, pelas vantagens que recebia do erário real”.
Sobre as ambições de mando do velho “Patriarca”, veja-se o depoimento de Manoel Marcondes de Oliveira Mello, Barão de Pindamonhangaba, onde declara: “José Bonifácio logo que tomou posso do ministério em Janeiro de 1821, criou um partido denominado Andradista, e circulou-se de gente muito ordinária, para instrumento das suas paixões; com o fim de praticarem crimes e horrores”… Era o consistório dos caceteiros, com quem se haviam os que não apoiavam a política dos Andradas. O “Patriarca”, não passa de uma criação maçônica…
A INDEPENDÊNCIA
Não temos nenhuma dúvida, ao afirmar que a Independência do Brasil, foi planejada por Dom Pedro I. Um ligeiro retrospecto das suas fases culminantes, será suficiente para fundamentar a nossa asserção.
Em abril de 1822, chegaram cartas de Portugal sugerindo a retirada do príncipe. E, o “Fico”, exprime bem a vontade forte de D. Pedro, figura central de sua época. A essa resolução, esteve completamente alheio o Andrada.
A 13 de Maio, D. Pedro foi aclamado “defensor perpétuo do Brasil” e, a 29 de Junho do mesmo ano, em diversos pontos do país…
Convidado a fazer parte do Ministério, José Bonifácio recusou, cedendo depois às instâncias da princesa Leopoldina. O príncipe regente sabia da alta popularidade do Andrada, “se bem que ele e sua família até esta data não tivessem parte ativa no movimento”. Só a 17 o Andrada tomou posse.
Em seguida, D. Pedro percorreu Minas e S. Paulo, “por motivos políticos”, segundo o depoimento único de um dos seus companheiros de viagem. Só poderia ser em preparo do terreno.
Na volta, quando de S. Paulo dirigia-se para Santos, encontrou às margens do Ipiranga um correio vindo do Rio, que lhe trazia cartas e ofícios, cujo conteúdo permanece desconhecido. Explica então a referida testemunha que D. Pedro exclamou: “É tempo! Independência ou Morte!… Estamos separados de Portugal!” E, fez a sua guarda repetir o “Independência ou Morte!” que passou à História…
CONSOLIDAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA
A 14 de Setembro o príncipe atingia às plagas de Guanabara. A 25 criava a Guarda Cívica, milícia civil destinada a assegurar a obra iniciada. Comparemo-las com o consistório dos caceteiros de José Bonifácio…
Levariam tempo, demasiadas considerações sobre a luta armada que se travou na Bahia com os portugueses, sob as ordens do General Madeiro, ou sobre a atitude do general Avilez, comandante das forças do Rio de Janeiro. Vale dizer que este último retirou-se para Portugal, amedrontado, simplesmente, pelo libertador do Brasil…
“VIVA D. PEDRO II, III, IV, V, VI E QUANTOS PEDROS HOUVEREM!”
É interessante assinalar, que a Marquesa de Santos, sempre manifestou acentuada antipatia contra os Andradas. O sensível instinto feminino percebia claramente as intenções do “Patriarca” e dos seus irmãos…
E tinha razão. O que vamos narrar, suprime quaisquer dúvidas:
Querendo experimentar o seu prestígio, em 28 de Outubro de 1822, o Andrada demitiu-se do Gabinete. Descontentavam-no os elementos lusos do governo. Mas, força é reconhecer que D. Pedro necessitava da colaboração dessa gente. Se hoje em dia, é ponderável o prestígio da colônia portuguesa entre nós, que se diria na época da Independência? Seria de todo impossível governar, sem um largo espírito de conciliação. O gesto de José Bonifácio, vinha comprometer toda a política do Imperador, exacerbando os furores nativistas dos brasileiros, junto aos quais era indiscutível a influência dos Andradas. Procurou chamá-lo novamente. E, no dia 30, reconciliaram-se. Foi em plena rua. O Andrada chorou muito, cena comovente. Mas, quando o Imperador lhe deu as costas, virou-se para a massa que os cercava e disse:
“Viva D. Pedro I, II, III, IV, V e VI, e quantos Pedros houverem!”…
O NOVO “INDEPENDÊNCIA OU MORTE!”
Sem dúvida, D. Pedro foi o gênio político da Independência do Brasil. Foi o homem que soube conduzir-nos com segurança no momento em que ensaiávamos os primeiros passos. Tanto assim que, depois da sua abdicação, no período da regência, desencadearam-se as mais intensas agitações por todo o país.
Mas, não basta ainda reconhecer-se o mérito e homenagear de modo condigno a sua memória. Urge prosseguir na sua obra. Resta proclamarmos a nossa Independência econômica. Livremo-nos das grilhetas do capitalismo internacional de quem somos verdadeiros servos…
Mais do que nunca, é tempo dos brasileiros se unirem para efetuar a libertação completa e definitiva da Pátria. Confiemos em um novo gênio político que nos comande, e lancemos um novo “Independência ou Morte!” E vamos à aventura.
Autor: Ricardo Werneck de Aguiar. Retirado de “Anauê”, Outubro de 1937. págs. 25-26-27.