Nas cidades de Nápoles, Livorno, Valdibura, Pisa e Pistóia, longe do calor e carnificina dos combates onde se digladiavam brasileiros e alemães, donde se ouvia de longe apenas o trovoar da artilharia, estavam instalados os hospitais militares estabelecidos pelas forças dos Estados Unidos ao passo que libertavam aquelas cidades do domínio do exército alemão. Nas ruas daquelas cidades já não haviam combates urbanos e duelos de obuses. O único ronco que se ouvia nos céus era o dos motores dos aviões caça e dos bombardeiros aliados que seguiam ao norte da Itália para atacar posições estratégicas ali, ou para a Alemanha, desmoralizar o maquinário de guerra nazista, despejando suas cargas e voltando às pistas de decolagem. Porém, a guerra se sentia pelos efeitos colaterais deixados pela ocupação alemã e pelos intensos combates e bombardeios. A guerra se sentia ainda na retaguarda com a chegada dos feridos que desembarcavam das viaturas e ambulâncias, estraçalhados pelos estilhaços de granadas e morteiros, e pelas metralhadoras alemãs. Foi sentindo e vendo os horrores da guerra que a enfermeira cearense Arminda Célia Barroso chegou à Itália em 1944.
Arminda Célia Barroso, nasceu em 10 de novembro de 1899, no Trairi, cidade banhada pelo belo litoral cearense. Terra dos índios Potiguaras, de bravos jangadeiros e, de uma boa e deliciosa rapadura, doce típico nordestino que faz parte da movimentação da economia local há mais de um século. Arminda era uma das inúmeras filhas do Major Liberato Barroso Souza e Raimunda Pinto Barroso. Suas origens estão ligadas a chefes políticos da Ribeira do Curu, assim como em Paracuru e Paraipaba.
Em 20 de junho de 1914, aos 15 anos, casou-se com Raymundo Tolentino Chaves, na Igreja do Trairi, tendo como celebrante do matrimônio o Pe. José Romualdo de Sousa. Um evento marcante e inédito na vida da então adolescente.
Em 22 de agosto de 1942, o governo brasileiro declarou guerra às potências do Eixo Roma-Berlim-Tóquio, após sucessivos torpedeamentos aos navios marcantes brasileiros em pacífica navegação costeira, por iniciativa da guerra submarina empreendida pelo Almirante Karl Dönitz e sua Kriegsmarine. No ano seguinte, foi criado o destacamento Força Expedicionária Brasileira, unidade militar que atuaria em território europeu, assim como o 1º Grupo de Aviação de Caça, da recém-criada Força Aérea Brasileira. O emprego do serviço de saúde era essencial para as nossas tropas. Cientes disso, a mulher brasileira também deu opinião, e destacou-se pela coragem e patriotismo, mesmo em uma época na qual havia certa resistência ao serviço feminino no esforço militar. Inúmeras senhoras e moças se voluntariaram e, entre o contingente de 67 enfermeiras do Exército Brasileiro, partiu do Ceará, aos 45 anos, a Sra. Arminda Célia Barroso, enfermeira comissionada ao posto de 2ª Tenente do Exército de Caxias, rumo à Itália, após uma série de rigorosos testes de saúde, educação física, ordem unida, e exercícios militares na área de saúde.
Em solo italiano, a 2ª Tenente Arminda foi designada para o 16th Evacuation Hospital (16º Hospital de Evacuação), em Pistóia, sob ordens e administração do exército dos Estados Unidos. Servindo em um hospital que era responsável por prestar todos os socorros necessários e evacuar os feridos para o Brasil, ou para a Terra do Tio Sam, Célia Barroso cuidou com toda dedicação, carinho e profissionalismo, os soldados da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária Brasileira, e das outras demais divisões de exércitos subordinados ao Vº Exército Americano, que muitas vezes chegavam da frente com os membros arrancados por morteiros ou minas, com os intestinos estraçalhados pelos estilhaços das granadas, com graves ferimentos na cabeça, e graves hemorragias. O mesmo serviço prestava aos inimigos que caiam como prisioneiros de guerra, e aos civis que por ventura chegavam ali vitimados nas imediações do conflito.
No 16º de Pistóia, e no 15º Hospital de Evacuação em Corvela, sob controle do comando americano, a 2ª Tenente Arminda Célia Barroso destacou-se por seus esforços no atendimento a tantos pacientes durante os dias, e por noites muitas vezes. Por suas ações no serviço de saúde da Força Expedicionária Brasileira, foi promovida a 1ª Tenente do Exército, voltando ao Brasil em 07 de julho de 1945, após quase um ano de inestimáveis esforços prestados aos feridos brasileiros, americanos e alemães, colhidos pela brutalidade dos combates, assim abrilhantando o serviço de saúde do Exército Brasileiro, e a fibra tenaz da mulher cearense.
Residiu após a guerra, no Parque Potira, em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza. Às 13h da tarde, do dia 14 de maio de 1990, faleceu aos 91 anos de idade, vítima de embolia pulmonar. Foi velada no Hospital Militar do Exército, em Fortaleza, e sepultada no Cemitério de Boqueirão dos Araras, em Caucaia.
Autor: Carlos Ribeiro, colunista e correspondente da Nova Acção no Ceará.
Este artigo faz parte da série Os Militares do Brasil, especial da Nova Acção.
Referências
Jornal O Povo, Fortaleza, 16 de maio de 1990.
Arminda Barroso. Falecimento da heroína cearense das FEB na II Guerra Mundial. http://fatoshistoricosmundoemdebate.blogspot.com/2024/05/arminda-barroso-falecimento-da-heroina.html
Altamira Pereira. Álbum Biográfico das Febianas. Batatais: Centro de Documentação Histórica do Brasil, 1976.