A verdadeira história da Independência

Nessa semana celebraremos, no dia 7 de setembro, a Data Magna da Nação. O povo brasileiro ignora a sua história, e não sabe o real significado da Independência. Em 7 de setembro de 1822, tivemos o fim simbólico de um longo processo de formação nacional e um capítulo fundamental da nossa missão coletiva.

Mais que a consequência de uma série de atos políticos, a Independência foi o produto natural da aspiração de uma nação, nascida e amadurecida organicamente em 3 séculos da história colonial, se moldar em um corpo político independente, e das lutas e dos sacrifícios de todas as camadas populares, seja nos campos de batalha ou na política.

Antecedentes do Império Americano

Como antecedentes dessa emancipação, temos as Revoltas de Amador Bueno em 1641, Bernardo Vieira de Mello em 1711, Felipe dos Santos em 1720, a Inconfidência Mineira em 1789 e em 1817 a Revolução Pernambucana. O Brasil já pagava seus gastos, esforçava-se só por si, sem auxílio da metrópole, e tinha uma clara consciência nacional, sabendo-se diferente dos irmãos europeus. Os brasileiros, que lutavam sozinhos as guerras e cresciam sempre mais, “já sabiam e sentiam que se achavam no mesmo nível de sua antiga metrópole”. Sabiam, igualmente, que Portugal temia sua separação. Administradores competentes, desconfiavam da destinação de seus recursos para Lisboa: “poder e meios de ação encontravam-se deste lado do oceano, enquanto honrarias e riquezas se espalhavam sobre cabeças portuguesas”. E realizavam uma crescente intervenção nos conselhos governativos de Lisboa e na direção dos negócios do reino. Acelerando o processo emancipatório, surge a transferência da corte de Portugal, invadido pelas tropas napoleônicas, para o Brasil, em 1808, fruto da genialidade política do Rei D. João VI e de uma velha ideia já defendida desde o primeiro século do Brasil como patrimônio português.[1]

Por volta de 1550, Martim Afonso de Souza aconselhava o Rei D. João III a proceder com essa iniciativa. Mais tarde, no contexto da União Ibérica, em 1580 e da Restauração em 1640, havia a ideia de se criar um novo Reino no Brasil tendo como soberanos D. Catarina e D. João IV. E em 1755, estando Portugal seriamente enfraquecido pelo terremoto de Lisboa, o então Ministro e futuro Marquês de Pombal tinha como Projeto o abandono da Europa e criação no Brasil de um novo Império.[2] Tudo isso já desmente o erro muito disseminado de que a transferência da corte foi na verdade uma fuga, fruto do pânico e da covardia das cortes portuguesas.

É natural que o filho chegado à maioridade se emancipe, se sucede entre as nações como entre os indivíduos. Vivíamos em um regime de igualdade com Portugal, desde a transferência da corte para o Brasil. Essa igualdade porém feria o orgulho dos portugueses e cedo ou tarde seria desvirtuada na prática, como de fato o foi. Portugal no alvorecer da revolução de 1820 se encontrava humilhado. Na condição de protetorado da Inglaterra, em miséria econômica e financeira, endividado, destruído pela guerra, subordinado a primazia brasileira, com sua indústria e comércio duramente afetados pela abertura dos portos no Brasil. Tudo isso criou um ambiente confuso de sentimentos perfeito para agitadores demagogos.

Do outro lado do Atlântico, coisa inteiramente diversa acontecia. Com a chegada da Corte e transferência da capital, situação jamais antes vista na história, sofre o Brasil uma completa reorganização em todos os aspectos, político, econômico, social e militar. Era o que precisava aquela nação em avançado processo de formação. 

D. João VI vinha reinando habilmente na Europa desde 1798, como príncipe regente, com o afastamento definitivo de D. Maria I. Seu reinado foi palco de um dos períodos mais delicados e dramáticos da história de Portugal. Portugal sofria constante pressão e risco de invasão, de um lado, pelo mar, pela Inglaterra, e de outro, do continente, por França e Espanha. Finalmente em 1808, quando a crise atingiu seu ápice e Portugal era invadido, depois de tanto postergar, levou à cabo a fuga para o Brasil, para surpresa geral das nações. Quinze mil pessoas, o tesouro, os arquivos, atravessando subitamente o oceano. General Junt, encarregado da invasão, ficou literalmente a ver navios. Napoleão escreveria em suas memórias que D. João foi o único monarca que conseguiu lhe enganar. Na América D. João encontrou ambiente muito diferente. Aqui finalmente encontrou tranquilidade e conseguiu reinar. Pouco a pouco o Brasil exerceu nele uma mudança psicológica. D. João VI veio sem esperanças de retorno, dizendo a seus ministros e embaixadores que construiria na América um novo e grande Império. Em seus feitos, deu-nos o Rei D. João VI  a gênese do comércio e política externo, indústria e primeiras fábricas, imprensa, as primeiras faculdades, o Museu Nacional e a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, conquistou a Guiana francesa e atual Uruguai, a Escola de Belas Artes, o Jardim Botânico, o Banco do Brasil, a Academia Militar e um Exército organizado. Devemos a ele boa parte de nossas principais instituições nacionais. O Brasil sofreu uma completa transformação.[3][4] 

Com a transferência deixamos de depender de Portugal para nos tornarmos a sede do império lusitano. Em 1815 isso é ratificado com a elevação do Brasil a Reino Unido, com Portugal, leais a mesma coroa.[5]

Passada as guerras e expulso os invasores franceses, começou uma forte pressão pelos portugueses e pela Inglaterra, que não via com bons olhos a fundação na América de um Império Atlântico lusitano como obstáculo a sua política global, pela volta de D. João VI para Portugal. D. João adiou o quanto pode a sua volta para Portugal. Era para ele era o fim do seu sossego e volta as aflições que tinha na Europa. O seu tempo de estadia no Brasil fez criar uma forte ligação sentimental com a terra, onde gozava de fartura e de paz, respeito e afeto popular, depois de anos tão conturbados na Europa e de outros que pressentia vir. A ocupação francesa e britânica de Portugal não se limitou a uma invasão de tropas, mas também de ideias. As lojas maçônicas se multiplicaram. Com os sentimentos portugueses cada vez mais hostis e revoltados com sua situação, explodiu a Revolução do Porto em agosto de 1820, de caráter radicalmente liberal e constitucionalista, orquestrada por sociedades secretas e inspirada pela revolução espanhola de Cadiz. O cerne desse movimento era movido por um sentimento antibrasileiro, mesquinho, de exaltar o reino europeu em detrimento do americano. A revolução avançou vitoriosamente até se consolidar em todo o país. Nas palavras de João Ameal: “Está consumado. O liberalismo e a maçonaria são donos de Portugal”.[6] Em algumas províncias já havia começado os reflexos da revolução no Brasil, com as elites do Pará e da Bahia jurando a constituição. Em Pernambuco, o governador Luís do Rego que anos antes havia aterrorizado aquela província revoltada, sofria um atentado com um tiro de Bacamarte, sendo obrigado a se retirar para Portugal. Um motim no Rio de Janeiro obriga D. João a ceder as pressões e em 26 de fevereiro jurar a constituição. Em 7 de março torna pública a resolução de partida, realizada finalmente em 26 de abril de 1821, depois de 13 anos de estadia na América, onde deixou como herança um Império. Deixou o Brasil com profundo pesar, chorou ao embarcar na nau que o levaria de volta à Portugal, por sua vontade nunca sairia do Brasil. Ele se tornou um brasileiro por adoção, após anos de novos costumes e de amor popular, de tranquilidade, de feitos bem agradecidos, dedicados ao Brasil que queria mais bem do que ao Reino de Portugal, e via que mais cedo ou mais tarde ultrapassaria o seu genitor.[7][8]
O sentimento independentista era muito vivo e se fortaleceria cada vez mais com a partida da família real. D. João sabia que só a posse e permanência no Brasil seria capaz de manter a integridade e grandeza do Império Lusitano. O Brasil podia dispensar Portugal, Portugal há muito não podia dispensar o Brasil. Portugal, entre a continua opressão britânica e espanhola, e o novo desafio representado pelo turbilhão revolucionário, condenava a dinastia. D. João já havia alertado dois dias antes de partir ao seu filho, futuro imperador D. Pedro I, que deixou como Príncipe Regente no Brasil: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que hás de me respeitar, do que para algum aventureiro”. [9] A tensão entre Brasil e Portugal era crescente. Em Portugal os discursos se radicalizavam cada vez mais e pautavam em submeter o Brasil a condição  de colônia. O deputado Manuel Borges Carneiro falava abertamente em “subjugar e escravizar” o povo brasileiro. As cortes de Lisboa buscavam anular todo o progresso que nos deu o Rei D. João VI. D. João, em Portugal, foi reduzido a situação de prisioneiro e fantoche das cortes, contaminadas por um liberalismo radical e inimigas do poder real. Sancionava todos os seus atos temendo pela própria vida. Enquanto alardeavam discursos indefinidos de liberdade eram absolutamente intransigentes quando se tratava do Brasil. Os nossos representantes em Lisboa eram desprezados e ameaçados, as Cortes exigiam cada vez maiores abusos. Buscavam a fragmentação do Brasil por meio de juntas governativas que tratassem diretamente com cada província, que buscavam reduzir a situação de sub-colônia. Era a tática de dividir para conquistar. Finalmente, exigiam a volta do Príncipe Regente D. Pedro. As Cortes em Portugal mostravam sua verdadeira face. Agiam despoticamente, perseguiam o clero, na assembleia já se usava de linguajar maçônico. Havia se iniciado nas províncias do Brasil a substituição dos governadores por juntas governativas. A independência era questão de tempo, com ou sem D. Pedro I. Em todas as províncias, independente de classe, havia a firme convicção de não permitir que a dignidade nacional fosse aviltada um palmo.  Jornais e a imprensa patriótica mantinham vivo o desejo autonomista. Emissários foram recolher assinaturas e petições em São Paulo e Minas Gerais para que o príncipe D. Pedro continuasse no Brasil, e os resultados foram unânimes. Então em 9 de janeiro de 1822 ocorria o Dia do Fico, onde declarava que ficaria no Brasil “para bem de todos e felicidade geral da Nação”. A luta pela independência já havia começado.[10][11]
Antes de dar prosseguimento, é preciso desfazer um mito. Muito é falado sobre a participação da maçonaria na direção da independência. Essa narrativa foi criada pela própria maçonaria e é frequentemente repetida por incautos, que fazem com isso um desserviço a favor da seita. Maçons estiveram envolvidos no movimento da independência. Isso não torna a maçonaria menos perniciosa, e muito menos diminui a grandeza dos episódios da independência. A maçonaria sempre buscou se infiltrar em causas justas para desvirtuá-las aos seus propósitos. Disse uma grande liderança maçônica no jornal italiano chamado “Piccolo Tigre”: “Sob qualquer pretexto, devemos introduzir nas lojas maçônicas a maior quantidade possível de príncipes e de homens ricos. Esses pobres príncipes trabalharão por nós, julgando trabalhar por si. Serão a isca para os intrigantes, os imbecis, a gente das cidades e os agitadores”. Os maçons, porém, fracassaram nos seus propósitos. Viam no príncipe D. Pedro um instrumento, mas o que ocorria era exatamente o contrário. A maçonaria nunca foi para D. Pedro mais que um instrumento político útil aos seus objetivos e ideais políticos. Ele nunca esteve comprometido com princípios maçônicos, nem com seus planos específicos, nem com a maçonaria internacional. A relação entre D. Pedro e a maçonaria não durou mais que um ano. Logo após a independência começaram os conflitos que terminaram no fechamento formal da maçonaria pelo imperador, que permaneceu assim até a sua abdicação em 7 de abril de 1831, orquestrado no seio da mesma seita. O Clero, por sua vez, teve muito mais influência na independência e na sua consolidação que a maçonaria. D. Romualdo de Souza, Bispo do Grão-Pará, D. Mateus de Abreu Pereira, Bispo de São Paulo, Padre Luís Gonçalves dos Santos, fervoroso inimigo da maçonaria, na imprensa, e muitos outros sacerdotes e religiosos que estiveram a frente da causa da independência e do apoio ao imperador em todo o país.[12][13]

A independência se movimenta

Após o Fico, a Guarnição Portuguesa se revoltou no Rio de Janeiro sob liderança do autoritário General Avilez, demitido do Comando de Armas pelo Príncipe, que exigia o cumprimento das ordens das Cortes. As tropas portuguesas fizeram balburdias pelo Rio de Janeiro incitando a reação dos brasileiros. Na Capital e nos seus arredores, em pouco tempo, brasileiros movidos por patriotismo se voluntariaram às armas, até mesmo Padres, formando um contingente que chegava a 6 mil soldados. Tentaram os portugueses até um sequestrou do Príncipe e da sua família, causando grande consternação na cidade. Segundo Oliveira Lima “pouco faltava de resto para que, exceção feita dos estrangeiros, não se encontrasse pelas ruas um homem, sobretudo branco, sem o laço verde e amarelo e o mote Independência ou morte.” Estava prestes a se iniciar um confronto entre as tropas portuguesas no Morro do Castelo e as brasileiras no Campo de Santana, mas isoladas e sem apoio, as tropas portuguesas se refugiaram em Niterói, onde, ameaçadas, cederam e embarcaram rumo a Lisboa. As tensões aumentavam cada vez mais. D. Pedro decretou o recrutamento geral de brasileiros e formação de novas unidades militares. Na Bahia, começava o cerco a cidade de Salvador pelas milícias das municipalidades do Recôncavo, mais tarde reforçadas por tropas enviadas da capital sob comando do General Pedro Labatut, nomeado Comandante-em-Chefe da Campanha da Bahia. As juntas das Províncias do Maranhão e do Pará protestaram contra o Rio de Janeiro. E assim começava a Guerra pela Independência.[14]

Os representantes das Províncias se reuniam, e em 3 de junho era decretada a convocação da Constituinte, movimento decisivo da separação. As Cortes de Lisboa estavam obstinadas e não voltavam atrás nos seus propósitos: reforçavam a resistência na Bahia com mais tropas e armas, e buscavam condenar os representantes das Juntas por rebeldia. Finalmente, em 7 de setembro daquele ano, em viagem pelas províncias de Minas Gerais e São Paulo recebeu o Príncipe no Campo do Ipiranga uma carta de D. Leopoldina, aconselhado pelo Padre Belchior Ferreira entendera que chegara a hora e proclamou: “Independência ou morte!”

Guerra de independência

O Brasil já era independente. No mesmo dia no Teatro de São Paulo, à noite, D. Pedro era aclamado Rei do Brasil pelo Cônego Idelfonso Xavier Ferreira, Curitibano. Mais tarde, em 1° de Dezembro de 1822 era coroado Imperador do Brasil. Mas, para essa independência ser consolidada, faltaria ainda muitos sacrifícios e heroísmos, faltava a vitória militar na guerra que se deu nas províncias da Bahia, Pará, Maranhão e pela então Cisplatina. Salvador continuava sob o cerco iniciado em fevereiro do mesmo ano, em mãos inimigas lideradas pelo arrogante coronel português Madeira de Melo, que lá cometeram barbaridades registradas pela história, saquearam a cidade não poupando nem as Igrejas, como ocorreu no Convento da Lapa, onde soldados portugueses invadiram, arrasando os altares e martirizando a Soror Joana Angélica, que interviu salvando a vida e dignidade das outras freiras.[15] A repressão das movimentações patriotas na cidade mataram ou feriram cerca de 200 pessoas. Grande parte dos habitantes haviam abandonado a cidade. 

Esse teatro da guerra seria palco de muito heroísmo. O grosso das tropas era formado por voluntários, trabalhadores do sertão e do mar espalhados por vários Batalhões que ficariam imortalizados: Batalhão dos periquitos, apelidados assim pelo seu uniforme colorido, dos encourados de Pedrão, composto de vaqueiros reunidos pelo Frei Pedro Brayner, Libertos, de escravos libertos, Henrique Dias, herdeiros da bela tradição dos regimentos dos “Henriques”, dos Índios, Belonas, Mavortes, Montabrechas, Cavaleiros do Pirajá, Legião da Bahia, entre outros. Era uma união voluntária e espontânea de todas as raças e classes em defesa da dignidade nacional. Faltava a eles o armamento e treinamento das tropas portuguesas, mas tinham total superioridade moral de lutar com bravura e heroísmo pela causa mais nobre, da sua Pátria. [16] E usando do mesmo tipo de guerra com que os baianos liderados por haviam expulsado os holandeses em 1625, apelidada por eles de Guerra Brasílica, foram pouco a pouco vencendo a resistência portuguesa. Entre essas tropas estava Maria Quitéria de Jesus, que com sentimento de dever de fazer justiça a Pátria ofendida, fugiu de casa e, vestida como homem, assentou praça lutando bravamente em vários combates, sendo mais tarde condecorada com a Imperial Ordem do Cruzeiro e ganhando soldo de Alferes pelo próprio Imperador D. Pedro I. [17] Em 8 de novembro os patriotas comandados pelo General Labatut e pelo Tenente-Coronel José de Barros Lacerda venciam decisivamente os portugueses na Batalha do Pirajá, posição muito estratégica para o abastecimento de Salvador e ponto chave para o exército patriota naquela campanha, onde imortalizou-se o Corneteiro Lopez desobedecendo as ordens e tocando por sua iniciativa “Cavalaria, Avançar!”, que aos ouvidos portugueses chegou como um “Cavalaria, Degolar!”, fazendo com que recuassem desesperados à derrota.[18]

Os suprimentos inimigos a partir daí se resumiram a ser recebidos pelo mar. receberam reforços de Lisboa de mais de 2.500 homens, mas à Baia se antecipava a esquadra naval brasileira comandada pelo Almirante Cochrane, personagem fundamental da guerra, que em uma série de combates destruiu os navios portugueses. Aí o futuro Almirante Tamandaré, Patrono da Marinha, tinha seu batismo de fogo, e o Tenente João das Botas faria esplêndidas façanhas navais. Salvador estava sob cerco total e a vitória era questão de tempo. A cidade despovoada perecia pela fome, os soldados portugueses estavam com a moral abalada, hostilizados constantemente pelos próprios habitantes e pelo exército patriota que, agora comandado pelo General José de Lima e Silva, somava em torno de 11 mil homens. Finalmente, em 2 de junho de 1823, os portugueses decidem pela retirada. A capital da Bahia é liberta dos invasores, que ainda foram perseguidos pela Esquadra de Cochrane até a foz do Tejo. O Exército Patriota tendo à frente o general José de Lima e Silva, tio do futuro Duque de Caxias, patrono do Exército, que se encontrava junto e fez seu batismo de fogo nessa campanha, já escrevendo belos feitos de bravura. A luta pela Independência na Bahia durou de 25 de junho de 1822 a 2 de junho de 1823 e nela se empenharam lado a lado 20.800 brasileiros, das três armas, em 18 Brigadas, mais de 30 Batalhões oficiais ou de populares voluntários, 97 navios com 934 canhões, contra um continente inimigo que chegou a 12 mil portugueses liderados pelo experiente General Madeira. Números, aliás, muito maiores que os contingentes de homens que marcharam sob o comando de Bolívar e de San Martin. Todos esses heróis são esquecidos em prol de um mito histórico de independência pacífica.[19][20]

Não faltou heroísmo e grandes sacrifícios também para a libertação da região Norte, faltava vencer no Piauí a resistência do bravo Major Fidié. Nesse contexto, como na Bahia, houve o grande exemplo de patriotismo e civismo de brasileiros comuns, sertanejos rudes, que se voluntariaram em massa para derrotar o invasor liderados pelo coronel Simplício da Silva. Fidié marchava rapidamente para sufocar a insurreição alastrada por todo o Piauí, e nos campos do Jenipapo suas tropas se bateram com um exército patriota formado por 2 mil piauienses, maranhenses e cearenses, unidos no mesmo propósito. Os sertanejos derramaram seu sangue com uma bravura e um desapego sem precedentes, perante uma enorme disparidade geográfica, e mesmo derrotados, obtiveram uma vitória moral e estratégica. Os trens de suprimentos na retaguarda do Fidié foram saqueados, obrigando-o a se recolher em Caxias, onde, após três meses de cerco por milhares de sertanejos comandados pelo fazendeiro cearense José Filgueiras apelidado de “Napoleão das Matas”, capitularia em 1° de agosto de 1823. O Maranhão e o Pará, onde fervilhava a desordem e a rivalidade entre partidos locais que futuramente gerariam Cabaganem e a Balaiada, finalmente aderiram a independência respectivamente em 28 de julho e 15 de agosto de 1823. A mais longa resistência foi a do General Álvaro da Costa em Montevidéu, que com 4 mil homens resistiu por 17 meses de cerco naval e terrestre, capitulando finalmente em 18 de novembro de 1823, sendo o último baluarte militar português no Brasil. Assim terminava a guerra de independência do Brasil.[21]

Faltava agora apenas o reconhecimento da independência conseguida finalmente em 29 de agosto de 1825, após uma longa campanha diplomática.

Na independência desaguou nossa história

A independência política é o último estágio conquistado na evolução de uma nacionalidade. A nação atinge sua maioridade e consagra, com autonomia jurídica, a completa formação de sua personalidade, capaz de proteger sua continuidade histórica e ordenar seus destinos. Como foi dito, a independência do Brasil foi consequência da sua evolução histórica, a sequência de eventos até agora comentados foram apenas o estopim do que seria inevitável. Como ressalta Gustavo Barroso: “A independência brasileira processar-se-ia de modo diverso, em tempo oportuno”.[22] O Brasil já era uma nação, antes da independência, formada e amadurecida em séculos de história. O que nos faltavam eram as bases e a estrutura dadas pelo Rei D. João VI, que foi nesse sentido o verdadeiro fundador do Império do Brasil como bem pontuou o Frei Francisco do Monte Alverne. Já em 1549, marco da instalação do Governo-Geral, era notável que a troca de influências entre o português, o índio e o negro africano, esse último que agora com o estabelecimento da capital era trazido de toda costa africana, criara uma sociedade local e tipos humanos totalmente diferentes da metrópole em todos os nossos centros de civilização. Já havia uma consciência de brasilidade e de diferenciação nascente. Durante a  guerra contra os franceses (1520-1615) esses elementos dispersos e heterogêneos se unem em um sentimento de solidariedade familiar, cristã, contra o invasor estrangeiro e herético. Solidez que jamais foi vista entre os intrusos, um dos motivos fundamentais de sua derrota. Nesse sentido Pandiá Calógeras chama a guerra contra os franceses de nossa “primeira guerra nacional”. O português para conseguir conquistar e se manter na terra teve que aderir a inúmeros hábitos: substituiu o trigo pela mandioca, trocou a cama pela rede, derrubava, queimava e plantava como faziam os índios, navegavam nas canoas. E o sertanejo herdou todos esses costumes. Essa unidade de formação foi disseminada e consolidada por todo o território pelo bandeirante e pelo sertanista, criando uma homogeneidade daquela sociedade mestiça, aliado a unidade política garantida pelo Governo-Geral. [23] Não tardou para essa realidade se transformar em consciência e em sentimento, já visível na literatura seiscentecista como no “História do Brasil” de 1627, do baiano Frei Vicente  do Salvador, o “Heródoto Brasileiro” que dizia entre os louvores que “…digna é de todos os louvores a terra do Brasil, pois primeiramente pode sustentar-se com seus portos fechados, sem socorro de outras terras.”[24] e no “Diálogo das Grandezas do Brasil” de Ambrósio Fernandes Brandão, ambas de caráter até exageradamente nativista.

Mais tarde na guerra contra os holandeses o Brasil se levantava para expulsar o invasor e vencia sem auxílio e por ora até contra Portugal, contra o temido Império holandês, que tinha um dos exércitos mais temidos do mundo. Diziam os patriotas em carta resposta ao Rei D. João IV, quando ordenou o fim da Revolta em cumprimento à trégua com a Holanda: “Não cessaremos a reação até a expulsão do invasor de Pernambuco e, somente após iremos até Vossa Majestade para pagar pelo crime de nossa desobediência.”. Vitória essa que em pleno século XIX se orgulhavam os sertanejos nordestinos de acordo com o relato dos viajantes. Essa guerra é um marco na história de um sentimento e uma consciência de nacionalidade brasileira. Nas vitórias gloriosas que obtivemos nas batalhas, em 30 anos de guerra, nasceram e se imortalizaram muitos heróis. No Compromisso da Insurreição firmado pelos patriotas em 23 de maio de 1645 se dizia: “Nós abaixo assinado, nos conjuramos e prometemos em serviço da liberdade, não faltar em nenhum tempo, com toda a ajuda de fazendas contra qualquer inimigo na restauração de nossa Pátria…”,[25] Negros, brancos, índios e mestiços se uniam fraternalmente e lutavam lado a lado, derramando seu sangue, para libertar a Pátria do invasor e defender a sua Fé. Como disse José Honório Rodrigues, foram os que nasceram e se adaptaram a esta terra que expulsaram o invasor, foram eles que em quase 10 anos de luta intransigente com seus próprios esforços salvaram o Brasil na sua unidade de origem e religião. Em carta a Holanda dizia um Comandante Batavo: “Apesar de sofrer quase diariamente reveses por água e ter precisão de muitas outras causas de necessidade, tais como vestuários, carne… e de estar continuamente em sobressalto, apesar de tudo isto, rejeitaram o perdão que lhes foi oferecido, nem um só veio ter conosco, e persistem obstinadamente em sua rebelião”.[26] O ânimo patriota era inabalável, relatava também Queiroz Siqueira ao Rei de Portugal restaurado: “O que não falta aos moradores do Brasil é um grande ânimo e valor para imolarem suas vidas a serviço de Deus, de Vossa Majestade e de sua Pátria, ao que estão muito dispostos e resolutos”. Reconhecia também o Coronel Waerdenburch em documento oficial: “É difícil submeter pela força um povo constituído de soldados vivos e impetuosos, aos quais nada mais falta que boa direção, e que não são de nenhum modo como cordeiros.”[27]

Não há lugar mais brasileiro que o Monte Guararapes, marco simbólico do episódio que forjou a nacionalidade brasileira, não com uma criação artificial de maçons, burgueses e literários, mas com a mescla racial e com séculos de muito suor e sangue derramados para a construção do Brasil que herdamos, um grande patrimônio de história e tradição que devemos defender na sua unidade e integridade, nem que seja imolando a própria vida. Mais que uma vitória militar e política, na guerra contra os holandeses, conquistamos uma Pátria. A consciência de diferenciação e o amor a terra rapidamente se converteram para a consciência de nacionalidade em formação.

O Nativismo em formação

As revoltas de Beckman, dos Emboabas e dos olindenses na guerra dos Mascates exprimiram um forte caráter nativista. O brasileiro se insurgia contra leis e políticas opressoras em benefício do reinol. Não foi o indigenismo uma criação romântica do século XIX, esse indigenismo foi a continuação e o exagero da valorização literária que já havia no período colonial fruto do orgulho que tinham as elites do litoral de sua ascendência indígena, fortemente presente. Entre eles haviam os Garcia D’Ávilas, os Albuquerques, os Cavalcantes, descendentes dos primeiros povoadores do Brasil, dizia em 1803 o Comandante de Tropas da Bahia que os pardos eram “a classe de gente a mais orgulhosa e inquieta de todo o país”.  Entre essa literatura temos “Caramuru” de Santa Rita Durão e “Uruguai” de Basílio da Gama. Mais tarde nos versos de Alvarenga Peixoto vemos um notável sentimento ufanista. Assim como na obra de Domingos Loreto Couto “Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco”.[28] 
O tipo do português mascate e comerciante, favorecido pelos burocratas do Reino, criou um sentimento de xenofobia do nativo em relação ao reinol que vinha à colônia na intenção de enriquecer  e voltar a sua terra, era chamado de “emboaba”, “maroto”, “pé de chumbo”, “bicudo”, dentre outros apelidos injuriosos. Esse sentimento não era antilusitano, como mostra nossa lealdade mística ao Rei. Era uma revolta justa contra os burocratas do reino e portugueses que em busca de enriquecimento, eram muitas vezes favorecidos por eles. Pandiá Calógeras  descreve bem essa mentalidade: “Em primeiro lugar, desenvolveu nos colonos grande confiança em si próprios. Esforçavam-se por si, sem auxílio da metrópole. Não alimentavam rancor ou despeito, mas só contavam consigo e com seus recursos próprios. El-Rei, em Lisboa, era para o brasileiro d’além mar uma sorte de semideus, de essência divina, temido, respeitado e mesmo amado, como um ser sobre-humano e distante. Do monarca dependiam favores e doações, honras e lugares. Mas do governo metropolitano, propriamente, pouco, ou mesmo nenhum, benefício se esperaria. Uma sensação obscura de igualdade entre as duas frações portuguesas, a americana e a Europa; uma noção apagada de não receber o trato equitativo por parte dos governantes do reino; tal impressão de injustiça relativa começou a surgir entre as duas ribas do Atlântico, a separar-lhes as mentalidades. Tal se desenharia a terra de cultura, onde um século mais tarde iriam abrolhar as sementes de liberdade e de independência.”

O Brasil mais que qualquer outro povo tem a capacidade de integrar e aculturar o que lhe é estranho, abrasileirar tudo o que tem contato. Registrou Saint Hilaire nas suas viagens pelo Paraná: “Parecerá extraordinário que os habitantes do distrito de Curitiba e os dos Campos Gerais, provindos, na maioria, de europeus, sem nenhuma mistura de sangue indígena, apliquem aos portugueses europeus uma alcunha injuriosa, a de “embuavas”: mas é preciso não esquecer que os filhos não são do país de seus pais, mas daquele em que nasceram e se educaram. Os nascidos no Brasil, de português e portuguesa, são brasileiros; amam tão pouco os europeus quanto os demais compatriotas e têm contra eles os mesmos preconceitos”.[29]

Como consequência da migração imensa de portugueses de Portugal para o Brasil, e seu posterior retorno, e dos brasileiros que iam se formar no Reino, levando para lá costumes e usos da terra brasileira, houve um processo de abrasileiramento mesmo em Portugal, muito catalizado com o retorno da Corte portuguesa à Europa, o que explica a rápida difusão da modinha, do lundú e cantigas brasileiras, dos azulejos ao estilo baiano, entre outros elementos. Alguns que até ficaram no senso comum como sendo portugueses, como o fado, que segundo o Visconde da Pedra Branca era em 1825 desconhecido em Portugal.[30] O Brasil do século XVIII cresceu exageradamente e era opulento, determinava os rumos de Portugal. No decorrer das revoltas do século XVII e XVIII se cimentava a consciência nacional e de autodeterminação, obra que D. João VI veio concluir. 

Independência ainda que tardia 

A independência já era certa, mesmo que tardia, o Brasil já tinha alma e adquiriu conhecimento de si próprio. O Brasil era uno e homogêneo, acima dos interesses grupais e individuais, e de regionalismos e particularidades regionais, que são para o Brasil o que são afluentes de um mesmo grande rio, diversidades de uma mesma Matriz cultural, de uma mesma unidade de origem e formação.

Foi a nossa independência feita da melhor maneira como poderia se proceder, com um príncipe, como um Novo Império na América, como sonhava D. João VI, uno, independente e estável. Não se fragmentou e se desintegrou como tristemente ocorreu na América Espanhola, não só pelo nossos gênios políticos, mas pela nossa unidade moral e histórica.

Foi, portanto, o grito de 7 de setembro, o encerramento de um longo desenvolvimento e formação de consciência e identidade nacional brasileira. Era o Brasil uma nação com plena capacidade de se autodeterminar e figurar entre as outras comunidades nacionais.

Autor: Leonardo Bittencourt.

Notas:

[1] Calógeras, Pandiá. Formação Histórica do Brasil.

[2] Idem.

[3] Santos, Luís Gonçalves dos, Padre. Memórias para servir a História do Reino do Brasil.

[4] Lima, Oliveira. D. João VI no Brasil.

[5] O Brasil não foi colônia, foi uma província subordinada ao Rei de Portugal que mais tarde foi elevada a Vice-Reino e finalmente a Reino Unido em 1815.

[6] Ameal, João. História de Portugal. 

[7] Calmon, Pedro. A Vida de D. João VI, o Rei do Brasil.

“…D. João se despedia — como da porção melhor da sua existência — da cidade que o abrigara carinhosamente, dos seus festivos panoramas que encontrara, há treze anos, tão vazios, e deixava tão mareados da nova civilização, da riqueza que aí distribuíra”.

[8] Calógeras, Pandiá. Op. cit.

“Dificilmente se poderiam manter os laços de união entre os dois reinos, tão diversas eram as mentalidades, as previsões e os recursos. Ao Brasil ele queria realmente bem, mais do que o antigo reino. Era, avant la lettre, um brasileiro, um dos melhores e dos mais dedicados à terra americana”.

[9] D. Pedro I. Cartas, e mais peças officiaes dirigidas a Sua Magestade o Senhor D. João VI pelo Principe Real o Senhor D. Pedro de Alcantara.

[10] Calmon, Pedro. História da Independência do Brasil.

[11] Lima, Oliveira. O Movimento da Independência.

[12] Barroso, Gustavo. O Imperador e a Maçonaria, Revista O Cruzeiro.

[13] José Honório Rodrigues. O Clero e a independência.

[14] Bento, Cláudio Moreira, Coronel. Brasil: Lutas contra invasões, ameaças e pressões externas.

[15] Souza, Joaquim Norberto de. Brasileiras Célebres. 

[16] Donato, Hernâni. Dicionário das batalhas brasileiras.

[17] Souza, Joaquim Norberto de. Op. cit.

[18] Bento, Cláudio Moreira, Coronel. Op. cit.

[19] Bernardino de Souza.

[20] Rodrigues, José Honório. Características do povo brasileiro. 

[21] Bento, Cláudio Moreira, Coronel. Op. cit.

[22] Barroso, Gustavo. História Secreta do Brasil.

[23] Calmon, Pedro. História da Civilização Brasileira.

[24] Salvador, Vicente do, Frei. História do Brasil.

[25] Bento, Cláudio Moreira, Coronel. As Batalhas dos Guararapes.

[26] Souza Júnior, Antônio de. Do Recôncavo ao Guararapes.

[27] Idem.

[28] Calmon, Pedro. História social do Brasil.

[29] Hilaire, Saint. Viagem à Comarca de Curitiba, 1820.

[30] Barros, João de. Língua Nacional.

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2 Comentários em “A verdadeira história da Independência”

  1. Eduardo

    Excelente artigo, como sempre a Nova Acção realizando um excelente trabalho!

  2. Juan

    Um excepcional trabalho que será visto e reconhecido pelo valoroso sempre brasileiro, anauê!!!

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