Diego Porteles: o pai do Chile moderno

Não é exagero dizer que há um novo processo de descobrimento dos países iberoamericanos, mas não falo de um descobrimento físico, como outrora fizeram os portugueses e espanhóis, mas o descobrimento dos grandes homens que formaram e pensaram esses países.

Iniciaremos hoje uma sequência de artigos sobre essas pessoas. Uma sequência feita para que o leitor conheça mais a história e sua identidade continental.

Começaremos falando de Diego Portales (1793–1837), o pai da identidade chilena e aquele que consolidou o Estado do Chile.

Ainda que seja uma figura desconhecida fora do Chile, é uma das principais figuras da história chilena. Apesar de nunca ter ocupado formalmente a presidência, foi o grande responsável por estruturar o poder de forma prática, eficiente e duradoura, construindo o Chile moderno de acordo com sua visão conservadora.

Portales nasceu em uma família abastada em Santiago e recebeu educação no Convictorio Carolino e no Instituto Nacional, escolas que forneciam educação humanista e clássica. Ao contrário da maioria dos políticos de sua época, não estudou Direito e nem seguiu carreira acadêmica. Era comerciante e sócio da Portales, Cea y Compañía, uma das principais empresas comerciais do país, “assinou um contrato com o Estado chileno para adquirir o monopólio do tabaco, chá, bebidas alcoólicas e outros produtos. Esse monopólio também serviria para pagar a dívida externa da jovem república. Infelizmente, esse monopólio fracassou devido ao contrabando, e o Tesouro revogou o contrato de Portales, mas ele acabou sendo condenado a pagar uma indenização”.[1]

Apesar do fracasso comercial, Portales desenvolveu experiência em administração, finanças e relações com o Estado neste período.

A ascensão portaliana está diretamente ligada à guerra civil chilena (1829-1831), travada entre os conservadores Pelucones e as forças liberais de Pipiolos. Seu pano de fundo foi a constituição liberal de 1828, que abandonava o sistema federalista, propunha uma maior liberdade religiosa e proibia a herança de propriedades.

Esse conflito foi o desfecho do caos político do Chile recém-independente dos anos 1820 que não conseguia uma estabilidade mínima e alternava entre diversos tipos de experiências políticas, tendo criado três constituições em apenas cinco anos (1823, 1826 e 1828).

Diego Portales não era militar e nem político, mas sua rede de contatos e habilidades administrativas seriam decisivas nessa hora: havia acumulado prestígio como comerciante e, durante a guerra, forneceu recursos e apoio logístico aos conservadores. Após a vitória de Lircay, passou a ser o homem forte por trás do general José Joaquín Prieto, que seria eleito presidente em 1831.

Portales era profundamente conservador e acreditava que o Chile não estava preparado para uma democracia. Dizia:

«A democracia, tão alardeada pelos iludidos, é um absurdo nos nossos países, inundados como estão de vícios e com os seus cidadãos desprovidos de qualquer sentido de virtude cívica, pré-requisito para o estabelecimento de uma verdadeira República.

Mas a monarquia também não é o ideal americano; se sairmos de um governo terrível apenas para nos atirarmos de cabeça a outro, o que teremos ganho?

O sistema republicano é o que devemos adotar, mas sabe como o interpreto para os nossos países? Um governo central forte cujos representantes serão homens de verdadeira virtude e patriotismo, e que assim poderão conduzir os cidadãos pelo caminho da ordem e do progresso.»[2]

Para ele, ordem, disciplina e autoridade era o que realmente importava, defendia a centralização do poder nas mãos do Executivo e o controle das elites sobre a vida política. E a Constituição de 1833 foi o marco que estabeleceu essa visão.

Portales não redigiu diretamente o texto da constituição, mas controlou a orientação política do documento. Entre os principais elementos, podemos destacar:

  • Presidencialismo forte e centralizado, apoiado por um Conselho de Estado composto por ministros, militares, autoridades eclesiásticas e outros funcionários, todos nomeados pelo Presidente;
  • Voto censitário restrito, garantindo que apenas uma elite instruída participasse da vida política (proprietários de terra, funcionários públicos, comerciantes, profissionais liberais);
  • Aliança Estado-Igreja, fazendo do catolicismo a religião oficial e protegendo sua influência moral e social;
  • Centralização administrativa, com intendentes provinciais nomeados pelo Presidente e municipalidades subordinadas, garantindo presença e controle em todo o território;
  • Criação de milícias civis como instrumentos de pacificação e manutenção da ordem social.

Católico praticante, Portales teve excelente relação com a Igreja. Mas além do plano espiritual, a relação com a Igreja tinha também um caráter estratégico, ”a religião é o único freio para as massas”, dizia. Ele consolidou o catolicismo como religião oficial do Estado e devolveu à Igreja Católica todas as propriedades eclesiásticas que foram perdidas durante os anos.

A pacificação do Chile teve relação direta com as milícias civis: unidades locais de cidadãos armados, coordenadas pelos intendentes (representantes diretos do Presidente da República nas províncias) e tinham como objetivo a manutenção da ordem. Elas garantiam presença armada em todas as províncias, reprimiam rebeliões, asseguravam a arrecadação de impostos e difundiam os valores conservadores, o que serviu para consolidar a estabilidade do país. Para se ter noção da influência dessas milícias, enquanto que o exército tinha um efetivo de três mil homens, a milícia chegou a ter trinta mil, dez vezes mais.

Alberto Edwards Vives, ex-ministro da Educação Pública do Chile, em seu livro “La Fronda Aristocrática en Chile”, faz uma observação interessantíssima sobre o papel de Portales e sua importância para o país:

«A transformação operada no Chile, e apenas no espaço de poucos meses, sob a poderosa mão desse homem de gênio, foi tão radical e profunda, que chega-se a imaginar, ao estudar os acontecimentos e ideias daquele tempo, que depois de 1830 se está lendo a história de outro país, completamente distinto do anterior, não apenas na forma material das instituições e dos acontecimentos, mas também na própria alma da sociedade.

E o assombro se converte em estupor quando se descobre que esse espírito de Portales, transformado como por milagre em espírito de toda a nação, parece ter sido originalmente uma concepção política e social sua, e exclusivamente sua, não compartilhada por ninguém antes da data memorável em que veio repentinamente a tornar-se patrimônio comum de todos, e fundamento da grandeza futura da pátria.

Nem na sociedade dirigente, nem no programa dos partidos, nem nas elucubrações dos pensadores, nem nos propósitos dos caudilhos, ninguém havia sequer formulado no Chile uma ideia semelhante. Não era, certamente, a que inspirava o cesarismo o’higginista, nem as tendências oligárquicas da aristocracia, nem os sonhos democráticos dos ideólogos.

Tampouco era essa ideia uma transação ou compromisso entre os rumos opostos que os homens da época desejavam imprimir ao país: era superior e anterior a todos eles.

(…)

A obra de Portales foi a restauração de um fato e de um sentimento que haviam servido de base à ordem pública durante a paz octaviana dos três séculos de colônia: o fato era a existência de um Poder forte e duradouro, superior ao prestígio de um caudilho ou à força de uma facção; o sentimento era o respeito tradicional pela autoridade abstrata, pelo Poder legitimamente estabelecido, independentemente de quem o exercesse. Sua ideia era nova de tão velha: o que fez foi restaurar material e moralmente a monarquia, não em seu princípio dinástico — o que teria sido ridículo ou impossível —, mas em seus fundamentos espirituais, como força conservadora da ordem e das instituições.»[3]

Embora Portales tenha sido assassinado em 1837, seu “espírito” continuou vivo na política chilena. A Constituição de 1833 permaneceu em vigor por 92 anos, proporcionando estabilidade e crescimento econômico em contraste com a instabilidade dos países vizinhos.

Autor: Marcos de Lima.

Referências:

[1] Día del Comercio y Muerte de Portales. Disponível em: https://www.santiagocultura.cl/dia-del-comercio-y-muerte-de-portales/.

[2] Carta de Diego Portales a José M. Cea

[3] La Fronda Aristocrática en Chile (1928), p. 41-42

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